O amor entre seres humanos expressa-se através de diferentes formas. Por gestos de carinho, por palavras construtivas, encorajadoras, de reconhecimento, louvor e bênção ou pela dádiva de prendas, objetos ou flores que sabemos serem apreciados pela pessoa em questão.
Mas existem ainda outras formas de exprimir amor para com alguém, como por exemplo os cuidados e proteção. Amamos os nossos filhos e entes queridos por isso procuramos protegê-los de perigos e desgostos, sofrendo com eles as contrariedades que experimentam na vida, em especial quando são ou estão mais frágeis ou vulneráveis.
Para os crentes, uma outra forma de amar é pedir a Deus pelos que amamos ou interceder junto de quem for necessário para lhes facilitar a vida. Mas há ainda o amor sacrificial que leva alguém a sacrificar-se até ao sangue e a morrer no lugar de quem ama para o salvar. Isto tem sucedido ao longo da história inúmeras vezes e há mesmo animais que se sacrificam até à morte para salvar as suas crias.
Todavia, a grande marca da fé cristã é aquilo que S. Paulo diz aos cristãos de Roma na sua carta apostólica: “Mas Deus prova o seu amor para connosco, em que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores.” (5:8).
Ou seja, ninguém está disposto a morrer para poupar um inimigo, como ele explica: “Porque apenas alguém morrerá por um justo; pois poderá ser que pelo bom alguém ouse morrer” (5:7). Pois foi mesmo isso que Jesus Cristo fez, dar a sua vida em sacrifício por aqueles que não mereciam – se assim podemos dizer – ou seja, pelos inimigos de Deus, como é o caso do ladrão arrependido que foi executado juntamente com ele.
Este discurso pode parecer estranho aos ouvidos duma Europa pós-cristã, secularizada, materialista e mesmo ao ser humano em geral que parece cada vez mais desumanizado. É difícil entender hoje um ato de amor levado ao limite, ao sacrifício da própria vida, num mundo de contra-valores, de amor líquido, como diria Zygmunt Bauman, e onde os termos e os conceitos de misericórdia e compaixão estão esquecidos e ficaram há muito fora de moda.
Mas esta é a mensagem central do evangelho. Deus amou as pessoas de forma tão profunda que enviou o seu Filho com uma mensagem de esperança, consciente dos riscos que corria, e com o objetivo de através da fé garantir a vida eterna a todos sem excepção (João 3:16).
O amor é libertador
A Páscoa cristã é o momento mais elevado do calendário religioso mas terá sido inspirado pela Páscoa judaica, celebração que se realiza sensivelmente na mesma época do ano, apesar de assumir um significado distinto. Para os judeus a Pessach (do hebraico פסח, que significa passar por cima ou passar sobre) recorda a libertação do povo hebreu da escravatura no Egipto e o início da jornada no deserto do Sinai em direcção à terra prometida a Abraão.
Se para um judeu a sua Pessach representa a libertação da opressão humana (Êxodo) e a esperança dum futuro glorioso, para os cristãos a Páscoa significa a libertação do mal e de nós mesmos. Assim como os hebreus “ressuscitaram” através do êxodo, de regresso à vida, para os cristãos o Cristo ressuscitado remete para uma nova vida de justiça e para a esperança da vida eterna com Deus. A razão pela qual isto sucede radica no incomparável amor de Deus, desinteressado, sacrificial e eterno.
Mas a grande lição da Páscoa será talvez a libertação de nós mesmos, dos nossos demónios interiores na conversão para um outro caminho, de paz, fraternidade e amor a Deus e ao próximo, que é, afinal, o grande ensinamento de Jesus Cristo: “Mestre, qual é o grande mandamento na lei? E Jesus disse-lhe: Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento. Este é o primeiro e grande mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a lei e os profetas” (Mateus 22:36-40).
Apesar disso, nos últimos dois milénios, muitos dos que se afirmavam cristãos moveram-se em contracorrente relativamente à essência da fé em Jesus e provocaram escândalo, perplexidade e revolta nos demais. Muitos desses desalinhamentos são justificados pelo espírito da época, outros nem por isso e a verdade é que o escândalo ainda hoje é recorrente.
Que esta Páscoa seja um momento de libertação e conversão.
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