Não, o assistente social não é a pessoa que dá sopas e cobertores aos pobrezinhos nem aquela que vive de tirar as crianças aos pais, insistem as responsáveis da Associação dos Profissionais do Serviço Social (APSS), ao mesmo tempo que nos encaminham para uma definição. Espreitemos a Wikipédia: o assistente social tanto planeia como executa políticas e programas sociais, focados no bem-estar coletivo e na integração do indivíduo na sociedade – e isto, se pensarmos bem, ocorre quase desde quase o início da civilização como a conhecemos.
Mas seria só próximo do século XIX que surgiria um pensamento mais elaborado sobre este tipo de trabalho. Estávamos em 1844 quando Karl Mager se debruçou sobre a questão da pedagogia social numa publicação alemã. A profissão estava a dar os primeiros passos em Londres, em Inglaterra, e pouco depois, em 1898, também em Nova Iorque, nos EUA. Com a ascensão da burguesia e o aparecimento de classes sociais, o assistente social tornava-se um elo cada vez mais necessário para gerir essa desigualdade.
Era ainda um ofício sobretudo de mulheres, partilhado por figuras tão distantes como Winnie Mandela ou Doria Ragland, mais conhecida como a mãe de Meghan, nova duquesa de Sussex, e, por cá, pela mãe de Marcelo Rebelo de Sousa, Maria das Neves – além de ter sido o sonho de adolescente de Manuela Eanes que, empurrada pela família, seguiria Direito, apesar de mais tarde as questões sociais terem estado na linha da frente da sua intervenção enquanto primeira-dama.
Mais recentemente, despertámos para os dramas e conquistas desta profissão quando José António Pinto, o reconhecido assistente social da Campanhã no Porto – aquele a quem chamam Chalana (como o antigo jogador do Benfica) por ser um mestre a fintar a pobreza – foi distinguido com a medalha de ouro comemorativa do 50º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, atribuída pela Assembleia da República. E também porque fez questão de anunciar que deixava o prémio no Parlamento em troca de políticas que não façam mal às pessoas.
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Profissão consagrada em Portugal desde 1935, estima-se que haja 20 mil especialistas em serviço social no País. Estão um pouco por todo o lado, nas mais diversas áreas da sociedade (saúde, educação, autarquias, justiça, empresas…) e hoje sentem sobretudo a falta de uma ordem profissional: afinal, têm-se multiplicado os empregos precários, incluindo casos de dirigentes de organizações a trabalhar em troca de um salário mínimo. Ao mesmo tempo, aponta-se ainda o dedo à criação de uma série de cursos aos quais não corresponde qualquer profissão, o que obrigou o Conselho de Reitores a impor um mínimo de uniformização.
“Só que não temos a autoridade de uma Ordem para validar quem pode e quem não pode ser assistente social”, lamentam Júlia Cardoso e Inês Amaro, as responsáveis da APSS, insistindo que são muito mais do que umas pessoas que distribuem umas esmolas ou que tiram crianças aos pais.”E sem ética, quem garante que o nosso trabalho é bem feito?”.
Além disso, insistem, se calhar é também preciso discutir se o país precisa de 17 licenciaturas em serviço social e se faz sentido estarmos a investir em formação de pessoas que depois vão trabalhar lá para fora, assinalam, lembrando o caso do Reino Unido, para onde seguiram muitos, numa leva ainda anterior à dos enfermeiros.
“O grande problema na usurpação é que, quando dizem: “Ah, a culpa é do assistente social”, não sei se estamos de facto perante alguém com a formação adequada”, salientam ainda as responsáveis da APSS – a lembrar que o assistente social ajuda as pessoas a decidir como viver com dignidade, mas não determina o seu futuro por elas.
A proposta para a criação da Ordem Profissional, reivindicada pela associação, essa, está no Parlamento, no Grupo de Trabalho das Ordens Profissionais do Trabalho e Segurança Social. Em cima da mesa, estão dois projetos de lei pró-Ordem – um do CDS e um do PS. Mais: esse passo terá sido mesmo uma promessa de António Costa, numa ação de campanha. É também conhecida a posição contra do PSD e que o PCP se deve abster – a dúvida é ainda a posição do Bloco de Esquerda, embora se espere que não se oponha.
“No tempo em que fomos governo, não se chegou a avançar por causa da troika – que receava um aumento da segregação na área e um consequente aumento do desemprego. Daí que agora a sua aprovação antes do fim desta legislatura seja ponto de honra para nós”, avança à VISÃO o deputado Filipe Anacoreta Correia, do CDS/PP, que herdou o processo e apresentou a atual proposta do seu partido. “É a forma de reforçar a proteção das pessoas visadas pela sua ação. Só assim asseguramos que respondem a uma ética e deontologia em vez de responderem a uma hierarquia. O objetivo é proteger as pessoas.”
Para as responsáveis da APSS, essa é também a grande preocupação: “o nosso objetivo é o da justiça social, daí que deixar este trabalho a quem não está preparado pode ter um impacto perigosíssimo na vida das pessoas”. E esta altura não há razões para receios: afinal, trata-se da profissão que mais cresce, contando com uma empregabilidade de 80 por cento.