Depois de ter concentrado milhares de tropas e material de guerra na fronteira da Bielorrússia com a Ucrânia, Putin negou sempre que intentasse uma invasão. Mas o facto é que invadiu mesmo o país de Zelensky, em direcção à capital, a fim de capturar o presidente legítimo em Kiev e instalar um governo fantoche em obediência a Moscovo.
Falhada que foi a tentativa reviu os objectivos e concentrou-se no Donbas em apoio às populações russófilas e de olho quer nas riquezas naturais da região quer no acesso à Crimeia que já tinha anexado em 2014. O ditador do Kremlin tem vindo a mandar bombardear creches, maternidades, hospitais, centros comerciais, prédios de habitação, teatros, e ultimamente infraestruturas das redes eléctrica, de água e gás, tentando assim fazer ajoelhar o povo ucraniano de novo.
É que a selvajaria russa já o tinha feito entre 1931 e 1933 pela mão de Estaline, através do confisco de cereais, condenado assim milhões de ucranianos à morte pela fome, no que ficou conhecido para a história pelo termo ucraniano Holodomor (“deixar morrer de fome”, “morrer de inanição”). Desta vez a intenção é consumar novo genocídio mas agora à força das bombas e sobretudo pelo frio do Inverno rigoroso que se aproxima, já que, por exemplo, dois terços de Kiev permanecem sem eletricidade após os ataques russos.
O jornal The Atlantic diz que é impossível não ficar horrorizado perante a selvajaria: “Homens e mulheres mortos espalhados pelas ruas de Bucha, com as mãos amarradas atrás das costas. Soldados russos estuprando mulheres, às vezes na frente de maridos ou filhos. Russos apreendendo saques de todos os tamanhos, de telemóveis a debulhadoras de trigo. E, repetidas vezes, depoimentos sobre tortura: espancamentos, choques eléctricos e quase sufocamentos com sacos de plástico.”
Entretanto, nove meses depois da invasão e horas depois de novo bombardeamento ter destruído uma maternidade na vila de Vilnyansk, na região de Zaporíjia tendo provocado a morte de pelo menos um bebé, o Parlamento Europeu aprovou o texto final duma resolução, com apoios em todas as bancadas, a reconhecer a Federação Russa como um estado patrocinador de terrorismo, uma iniciativa inédita entre os parlamentares europeus. Em resposta Moscovo lançou mais um ataque em larga escala, com dezenas de mísseis.
O Conselho da Europa já tinha expulsado a Rússia. Mas Estrasburgo foi mais longe ao abrir a porta para a futura acusação de crimes de guerra: “ataques deliberados e atrocidades perpetrados pela Federação Russa contra a população civil da Ucrânia, a destruição de infraestruturas civis e outras violações graves dos direitos humanos e do direito humanitário internacional equivalem a atos de terror contra a população ucraniana e constituem crimes de guerra”. E clamou ainda pela necessidade de encetar um processo de avaliação histórica e jurídica a par de um “debate público sobre os crimes do regime soviético”, declarando que “a falta de responsabilização e de justiça apenas conduz à repetição de crimes semelhantes”.
Entretanto, os Estados Unidos receiam que um Putin encurralado possa lançar mão de armas químicas. A União Europeia avança com o nono pacote de sanções contra Moscovo e o Parlamento Europeu aprovou empréstimo de 18 mil milhões de euros à Ucrânia.
As grandes questões que se colocam hoje a muitos observadores são até onde irá Putin para se segurar na cadeira do poder e até onde a nomenklatura russa permitirá que a loucura do Kremlin se prolongue, pois, como se sabe, um animal selvagem ferido é muito mais perigoso e imprevisível. É certo que Putin mantém o apoio de Cirilo, o patriarca ortodoxo de Moscovo e da igreja de estado, mas não se sabe até que ponto os oligarcas (que estão a sofrer as sanções ocidentais), os comandos militares (que têm sofrido humilhações recorrentes no teatro de guerra) e a sociedade (que vai recebendo de volta largas dezenas de milhares de jovens soldados mortos e feridos) vão aguentar a situação.
Apesar de sonegação da informação e dos limites à liberdade de opinião e manifestação, e apesar de Putin ter ensaiado recentemente uma encenação ao receber um grupo de mães de militares, a sociedade russa move-se, como é o caso duma campanha organizada pelo grupo Russian Feminist Anti-War Resistance, lançada no Dia das Mães na Rússia, e que exige a retirada das tropas de Moscovo da Ucrânia. As mulheres acusam ainda Moscovo de enviar os filhos da Rússia como carne para canhão: “A chamada ‘operação militar especial’ vai para nove meses, trazendo destruição, luto, sangue e lágrimas. Tudo o que acontece na Ucrânia preocupa os nossos corações. Independentemente da nacionalidade, religião ou condição social, nós – as mães da Rússia – estamos unidas num desejo: viver em paz e harmonia, criar os filhos num ambiente pacífico e sem medo do futuro, por isso somos contra a participação dos nossos filhos, irmãos, maridos e pais na guerra.”
Nem ao Papa restam dúvidas sobre a selvajaria russa, pois condenou recentemente a “crueldade do Estado russo” na guerra contra a Ucrânia, em declarações à revista dos jesuítas dos EUA, quando disse possuir informação abundante sobre a crueldade das tropas da Federação Russa. Putin segue assim a boa tradição de carniceiros históricos como Estaline, Hitler, Mao e Pol Pot, entre outros. A selvajaria russa perpetrada neste momento contra o povo ucraniano só tem um objectivo: salvar a pele do ditador do Kremlin.
MAIS ARTIGOS DESTE AUTOR:
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.