Não pode ser apenas uma simples coincidência. Têm de existir razões mais profundas e transversais para explicar por que motivo, atualmente, os professores estão a marcar greves e a demonstrar o seu descontentamento, em simultâneo, em Portugal, em França e no Reino Unido. Ainda para mais quando, nos mesmos países, também crescem os protestos e a contestação entre os profissionais de saúde – cujos sistemas públicos dão sinais de cansaço e de colapso ‒, bem como entre a generalidade dos trabalhadores que garantem o funcionamento daquilo a que costumamos chamar de Estado social.
É fácil, em cada país, culpar os atuais governos pela crise que está a minar marcos civilizacionais tão importantes como a escola pública para todos e o direito de acesso a um serviço nacional de saúde com qualidade. Mas não deixa de ser significativo que, com as devidas particularidades, os mesmos problemas ocorram com governos de matriz socialista, liberal e conservadora. Como parece também evidente, em qualquer dos três países, que ninguém na oposição tem varinhas mágicas para conseguir resolver, num ápice, a falta de atratividade dos jovens pela profissão docente, o descontentamento de médicos e enfermeiros, o cansaço crescente que vai minando todos aqueles que, ao longo das últimas décadas, viram as suas profissões perder estatuto social e reconhecimento público. O problema tem de ser, por isso, bem mais profundo.
No caso dos professores, parece ser evidente que estamos a assistir, um pouco por todo o lado, ao resultado de anos e anos de desinvestimento no capital humano mais decisivo para a formação das novas gerações. Só isso explica, por exemplo, que, no espaço de poucas décadas, uma das profissões mais prestigiadas, entre a generalidade da população, se tenha transformado numa carreira sem qualquer tipo de atratividade. E, ainda por cima, tantas vezes encarada como apenas uma espécie de solução de último recurso para quem não conseguiu médias para os cursos que dão acesso aos primeiros lugares das listas que elencam “os empregos do futuro”.
A falta de professores é hoje um problema crescente nos países desenvolvidos. E o problema só tende a piorar quando, em todo o lado, há milhares de docentes prestes a chegar à idade de reforma e não há suficientes, em início de carreira, para ocuparem os seus lugares. Com uma agravante: a falta de atratividade da carreira docente ocorre, com o mesmo estrondo, tanto nos países que melhor pagam aos professores como nos que lhes oferecem piores salários. Segundo a OCDE, os professores alemães ganham o dobro da média europeia, mas este ano as aulas começaram com 4400 vagas por preencher, só no estado da Renânia do Norte-Vestefália, o mais populoso, com cerca de 18 milhões de habitantes. Ao procurar as razões para esta realidade, a mesma organização identificou um dado preocupante: na Zona Euro, apenas 30% dos professores se sentem valorizados pela sociedade.
Apesar de indesmentível, a perda de reconhecimento e de estatuto social dos professores é um erro que, a persistir, terá um preço elevado no futuro. Até porque, como a história tem demonstrado, nem sempre as profissões que, numa determinado época, são as mais atrativas e melhor remuneradas acabam por conseguir manter esse estatuto por muito tempo. Ao contrário do que, às vezes, possamos pensar, o advento da Inteligência Artificial pode aniquilar muitos empregos das áreas tecnológicas, com uma máquina a substituir legiões de programadores informáticos. Mais difícil, no entanto, será ter uma máquina capaz de lidar com os humanos, a ensiná-los de forma personalizada, na escola, ou a cuidar deles, quando forem mais velhos, nos hospitais. É isso que os governos precisam de perceber. Só há melhor futuro com melhor educação. E não há educação sem professores empenhados.
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