O nome Hans-Georg Maaßen diz pouco aos portugueses, mas é um bom caso de estudo sobre como lidar com as extremas-direitas. Exemplifica a relação entre os democratas-cristãos da CDU e a direita radical da AfD, a autodenominada alternativa para a Alemanha. Maaßen, que serviu como chefe da agência de informação interna alemã, é uma das figuras que mais confrontaram o partido de Frau Merkel com o seu dilema existencial e ideológico: até onde, à direita, deve ir um partido de centro-direita?
Depois de declarações polémicas vistas como autoritárias e ultraconservadoras e de ter criticado, em 2018, as políticas do país em relação à segurança e aos refugiados, que considerou “ingénuas e de esquerda”, foi forçado a sair do ministério da administração interna. Em 2021, a unidade local da CDU no estado da Turíngia decidiu nomeá-lo como candidato ao Bundestag nas eleições de setembro. A ideia era usá-lo como travão para a AfD, no pressuposto de que o partido “catch-all” ao centro (Volkspartei, na gíria alemã, que significa partido do povo), ao deixar-se descair para o lado e assumir posições mais radicais, estaria a impedir o crescimento da extrema-direita. Apesar do escândalo e da contestação, foi a votos. E a realidade desmentiu esses pressupostos e o pragmatismo: Hans-Georg Maaßen não foi eleito. Continuando na senda extremista, e depois de dizer que havia “racismo eliminatório contra os brancos na esfera mediática”, a paciência do partido esgotou-se há duas semanas, e a liderança da CDU aprovou por unanimidade uma resolução para a sua saída.
A verdade é que, durante a liderança de Angela Merkel, e também depois dela, a CDU manteve-se firme na barreira intransponível que colocou a separá-la da AfD: não se senta à mesa nem faz acordos de qualquer tipo com a extrema-direita. Quando, na mesma Turíngia, em 2020, a CDU recebeu o apoio da extrema-direita na votação parlamentar que permitiu eleger Thomas Kemmerich, mesmo não estando em causa quaisquer negociações ou compromissos, Merkel recusou que o seu partido entrasse na formação desse governo, e Kemmerich demitiu-se pouco depois. A estratégia da “firewall” contra o que é visto como um vírus destrutivo da democracia é, na Alemanha, inabalável. E deu resultados: a AfD tinha conseguido, nas eleições gerais em 2017, chegar ao Parlamento como terceira força política, com 12,6%, mas desceu, em 2021, para o quinto lugar, com 10,2%.
Mais de 2 700 quilómetros e uma enorme desorientação estratégica separam Lisboa de Berlim.
Por cá, após o partido de centro-direita ter dado uma maioria absoluta ao Partido Socialista, em grande parte devido à ambiguidade que mostrou em relação ao posicionamento e futuros acordos com a extrema-direita, mudam-se as lideranças, mas não muda a ambiguidade. Aliás, agrava-se. Sai Rui Rio, que permitiu um acordo de governação nos Açores com o Chega, e entra Luís Montenegro, que arranca, no discurso de consagração, com palavras escolhidas a dedo – afastando-se de “políticas xenófobas e racistas”, mas não claramente de partidos desse género. Sete meses volvidos, recusou-se a traçar linhas vermelhas, argumentando que não é tempo de discutir o tema – como se princípios ideológicos e valores fundamentais obedecessem a calendários políticos. E criou o grande tabu que o perseguirá diariamente a cada visita, intervenção ou entrevista. Admite acordos com o Chega, sim ou não? E, se a resposta não é claramente “não”, então é porque é “sim”.
A subida do Chega nas sondagens, para quase 15%, com um PSD que não se consegue impor, fez o resto: Montenegro percebeu que, sem o Chega, não será capaz de governar. E passou para a segunda fase de tiro nos pés: a tentativa, voluntária ou involuntária, de radicalização do discurso, com tomadas de posição muito mais à direita do que a matriz ideológica social-democrata. Em matéria de imigração, quer que um país de emigrantes como Portugal receba os outros “de forma regulada” e após uma espécie de seleção fina, depois de “procurar pelo mundo” as comunidades que possam interagir melhor com os portugueses. Complementado por Carlos Moedas, que pediu contingentes e entrada no País “só com contrato de trabalho”. À revelia, note-se, do interesse nacional, porque precisamos de imigrantes que venham e que fiquem, já que a população está a cair, falta mão de obra em certas funções e a Segurança Social está à míngua. Já em matéria de apoios sociais, Montenegro foi na mesma via: proclamou que “é imoral uma sociedade onde as pessoas que trabalham chegam ao fim do mês e ganham menos do que pessoas que não trabalham”. Se soa a crítica contra alegada subsidiodependência, não é por acaso. “Se não os podes vencer, coloca-te no terreno deles”, pensará a liderança laranja. Mas, como diz o Presidente, a cópia perde sempre para o original.
Nada mais errado. O PSD insiste num duplo erro – ideológico e estratégico. Posiciona-se num território que vai contra os valores fundacionais do partido, afasta um eleitorado moderado ao centro, inibe o voto útil, porque fica a ideia de que, ao fim do dia, todos vão acabar por se entender. Cair no erro uma vez pode ser distração; cair duas é loucura.
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