Este texto abre com um momento confessional: tenho uma coisa com sismos. A ridicularia da nossa existência perante a força bruta e imprevisível da Natureza inquieta-me. E por isso tenho planos de contingência desenhados na minha cabeça para a eventualidade de tal acontecer nos sítios que mais frequento.
Serei, feliz ou infelizmente, caso raro. A maior parte dos portugueses vive num confortável e inconsciente aprazimento perante o facto de estar em cima de explosivos à espera de rebentar, a qualquer momento, debaixo dos seus pés. Isto não é alarmismo, é Ciência. Vai acontecer. Os grandes sismos repetem-se periodicamente. A grande questão, porém, é só uma: e alguém quer saber?
Quando acontecem tragédias como as que se vivem por estes dias na Turquia e na Síria, o tema salta para a ordem do dia. Lembramo-nos de que vivemos numa zona de intensa atividade sísmica – Lisboa, a segunda cidade europeia com o maior risco –, recordamos os grandes terramotos de 1755 e de 1969, lamentamos os mortos e os danos, dizemos que temos de fazer mais. Até ao terramoto seguinte.
Desde logo, falta-nos ganhar consciência do problema. E cientificamente ir mais a fundo no tema. Há dúvidas sobre a magnitude e o epicentro do terramoto de 1755 – o que traz implicações, por exemplo, na correção do nosso mapa de riscos sísmicos. Há quase seis décadas que se diz que este terramoto terá tido um grau de 8,5 a 8,9 na escala de Richter e que se deveu a ajustamentos no banco de Gorringe, maciço montanhoso submerso a 120 milhas do cabo de São Vicente.
Porém, estudos de um grupo de investigação liderado por João Duarte Fonseca, sismólogo do Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa, apontam para uma interpretação alternativa para os danos causados em Lisboa por este terramoto. Segundo o estudo divulgado em 2020, que prossegue na linha de outro de 2003, a localização do epicentro terá sido no Sudoeste da costa da Península Ibérica, mas também podem ter acontecido falhas geológicas em terra, perto de Lisboa. Afinal, a magnitude do sismo seria menor, “apenas” de 7,7 na escala de Richter, mas os abalos maiores podem ter sido causados por dois terramotos mais próximos subsequentes, em terra, que explicam o elevado grau de destruição.
Porque é que isto importa? Porque estas estruturas geológicas ativas próximas de Lisboa com tamanha capacidade destrutiva não estão suficientemente estudadas – algo essencial para que possamos ter estratégias de defesa minimamente eficientes.
Para lá da geologia, há falhas conhecidas, e preocupantes, ao nível da construção civil. Em Portugal, há legislação desde 1958, melhorada em 1983, que estipula as especificidades técnicas de resistência sísmica de edifícios, pontes e outras estruturas. O problema, à boa maneira portuguesa, está no cumprimento da lei e na sua fiscalização. As vistorias de edificado antigo são raras e poucos conhecem as características do edifício onde vivem em termos de risco sísmico e conseguem avaliar eventuais irregularidades na construção.
Os danos potenciais são enormes. Uma simulação feita pelo LNEC em 2009, a pedido do Expresso, para as três zonas do País com um nível de risco sísmico mais elevado – a cidade de Lisboa, a Área Metropolitana de Lisboa e o Algarve – é assustadora. Um sismo noturno de 8,7 a 9 graus na escala de Richter provocaria mais de 25 mil mortos, 14 mil feridos, o colapso de 25 mil edifícios de habitação, danos severos noutros 74 mil. Alarmismo ou uma tragédia à espera de acontecer, depende do ponto de vista. Mas preferimos alinhar pelo encolher de ombros.
“Vai tudo pelo melhor, no melhor dos mundos possíveis.” A máxima de Pangloss, o filósofo da famosa sátira de Voltaire escrita dias depois do terramoto de 1755, bem podia ser a nossa. Cândido, que confrontado com a terra a mexer de tal forma em Lisboa gritou apavorado “Chegou o último dia do mundo!”, tornar-se-ia menos otimista, e deixou, na última frase do livro, a misteriosa tirada: “Devemos cultivar o nosso jardim.” E, em calhando, olhar também ao que temos debaixo dos pés e às nossas construções.
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