Cuidado com as aparências. Xi Jinping foi entronizado Presidente da China, para um inédito terceiro mandato, mas isso não significa que os próximos cinco anos vão ser a simples continuação do que foi a sua primeira década no poder do (ainda) mais populoso país do mundo. Em Pequim, com o reforço da liderança de Xi, não mudaram apenas as regras de sucessão no topo da hierarquia, definidas por Deng Xiaoping, há quatro décadas, para tentar impedir os abusos do culto de personalidade e os devaneios ditatoriais que marcaram os últimos anos de Mao Tsé-Tung. A China é, hoje, também um país completamente diferente daquele que, nos anos 80, iniciou a sua abertura: passou a ser a segunda maior economia mundial, tem capacidade de influência global e é o maior parceiro comercial de quase todas as nações do planeta. E está disposta, cada vez mais, a tentar usar essa predominância a seu favor.
“A China deve esconder a sua força e aguardar pelo seu momento” – durante anos, esta frase de Deng Xiaoping foi o lema que norteou a política externa de Pequim, sempre mais preocupada em estabelecer parcerias comerciais do que em “falar grosso” sobre a política interna ou as intenções estratégicas dos outros países.
Agora, por aquilo que se tem observado, parece ter chegado o momento em que Pequim decidiu mudar de estratégia. O lema de Deng Xiaoping foi abandonado. Em sua substituição, começa a ser repetido um outro, da autoria do atual líder e que, por si só, é todo um programa: “Ousar lutar.”
Já se percebem as mudanças, não só nas palavras mas também nos atos. E, depois de quase três anos de enclausuramento, devido à Covid-19, Pequim começa a dar mostras de querer desempenhar um papel de destaque à escala global, usando a sua capacidade de persuasão aos mais diversos níveis.
A forma como a diplomacia chinesa conseguiu “obrigar” a Arábia Saudita e o Irão a assinar um acordo de restabelecimento de relações diplomáticas, pondo fim a anos de conflito, é bem capaz de ser um dos sinais do que a China pretende fazer ao nível estratégico: entrar de rompante num território que, durante décadas, foi dominado pela diplomacia dos EUA e, quase sem aviso prévio, apresentar resultados surpreendentes. Com, obviamente, um bónus suplementar a seu favor: aprofundar, por essa via, os laços comerciais e económicos com as duas maiores potências do Médio Oriente.
Com esse triunfo diplomático no bolso, Xi Jinping prepara-se agora para “ousar lutar” pelo jackpot: um acordo de cessar-fogo ou de negociações entre a Rússia e a Ucrânia. Segundo diversas informações – não confirmadas nem desmentidas –, poderá, nos próximos dias, conversar sobre isso com Putin e Zelensky. E, a seguir, iniciar um périplo de encontros bilaterais, com outros líderes, numa ofensiva diplomática nunca vista por dirigentes chineses.
Na base disto tudo está a necessidade, cada vez mais premente, por parte de Pequim, de tentar estabelecer vias de diálogo com os países do chamado Sul Global, os mesmos que têm sido as principais vítimas colaterais da guerra, por via da inflação e da crise alimentar. E que, naturalmente, podem ser os seus melhores parceiros. Do outro lado, os EUA vão tentar minar essa estratégia. Mas já com uma certeza: a estratégia de Pequim, agora, é a de ir à luta. Sem medo das aparências.
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