Há um traço comum a todos os chamados megaeventos, aqueles acontecimentos desportivos, políticos, empresariais ou religiosos que reúnem milhares de pessoas, durante um curto período de tempo, num único local: apesar do seu elevado custo, vêm sempre benefícios associados, na retórica dos seus promotores, com a promessa de um colossal retorno financeiro, muito superior ao preço que será preciso pagar para os acolher. O discurso repete-se em todas as geografias e pelos mesmos motivos: por mais milhões de euros que seja necessário reunir para erguer infraestruturas e alterar prioridades urbanísticas, mesmo com o custo acrescido de as obras serem feitas em tempo recorde para conseguir cumprir os prazos contratuais, há sempre a promessa de que tudo isso será reembolsado depois e, ainda por cima, com benefícios elevados. As vantagens parecem irrecusáveis: estimula-se a economia, criam-se empregos, fazem-se obras que, sem este impulso, ficariam eternamente adiadas. E, ainda por cima, dá-se visibilidade mundial à cidade ou ao país, o que, nos tempos correntes, até leva alguns “estudiosos” a quantificarem, sem perderem a compostura, o “valor” associado a cada partilha de textos ou imagens nas redes sociais.
Num estudo académico sobre este tipo de acontecimentos – de 2015, mas continuamente muito citado –, o investigador suíço Martin Müller, da Universidade de Zurique, identificou os sintomas que costumam estar associados aos megaeventos e que, por isso, deveriam servir de sinal de alarme para os países e populações que os acolhem. Presumo que, pela nossa história recente, o leitor os conheça quase todos: promessa exagerada de benefícios, que acabam por não se cumprir, custos subestimados, prioridades urbanas deslocadas, gastos elevados de dinheiro público.
Depois, salvo algumas honrosas exceções, os megaeventos têm um outro resultado conhecido: a criação de infraestruturas superdimensionadas ou obsoletas, a um preço inflacionado e que os contribuintes serão obrigados a pagar durante anos, mesmo quando algumas delas ficam votadas ao abandono.
Como é que se costuma atenuar esta “síndrome dos megaeventos”? A resposta é sempre igual: com a promessa do tão almejado e propagandeado “retorno económico”, aquela fórmula mágica, tão repetida nos últimos dias, que é uma espécie de milagre de engenharia financeira capaz de transformar uma pesada soma de custos numa choruda conta de lucros – no futuro, obviamente.
Não quero ser pessimista. O retorno económico de um megaevento como as Jornadas Mundiais da Juventude é possível. Mais do que isso: é desejável. Só que não acontece por milagre. E muito menos através das simples contas aritméticas que multiplicam o número de peregrinos por gastos médios para depois se calcularem benefícios económicos que, dessa forma, permitem esgrimir números entre os 350 milhões e os 700 milhões de euros, como tem sucedido na última semana.
Há uma certeza que podemos ter: só haverá retorno positivo se estas Jornadas Mundiais da Juventude forem bem organizadas, e decorrerem sem problemas. Caso contrário, o retorno existirá na mesma, mas será negativo – e pode afetar a imagem do País durante anos. Por aquilo que nos foi dado assistir nos últimos dias, não há razões para otimismo. O mais certo, aliás, numa organização completamente descoordenada, sem um líder assumido, e em que as partes envolvidas quase não comunicam umas com as outras, é que vamos assistir, nos próximos tempos, ao acumular dos erros mais frequentes dos megaeventos: obras em contrarrelógio, sem olhar a custos, e opções apressadas para tentar salvar a face. E, depois das infraestruturas, ainda ficam por resolver as questões cruciais relacionadas com a segurança, a mobilidade e o conforto do milhão de peregrinos de que tanto se fala. Pela amostra do que já se viu, só haverá retorno por milagre.
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