Um equívoco e a sobreposição de memórias levaram Pedro Adão e Silva a reencontrar-se com O Coração das Trevas, que é oferecido com a VISÃO desta semana. Quando pensava em Joseph Conrad, pensava sobretudo em Linha de Sombra, romance de 1917, e quando imaginava a personagem Kurtz via Marlon Branco em Apocalipse Now. “Vi o filme quando andava na universidade e nessa altura ele sobrepôs-se ao livro”, conta sobre duas obras – a novela de Conrad e o filme de Coppola com argumento de John Milius que a adapta – que no conjunto pareciam formar uma única, algo difusa, mas “de grande espessura”, admite.
“Tudo parece desenvolver-se em torno de uma ausência, a de uma figura metafórica, Kurtz, mais no livro do que no filme”, diz o professor de Sociologia e comentador político, referindo uma espécie de atemporalidade que atravessa toda obra. “Não há referência a tempo histórico”, nota, apesar de se saber que a ação decorre numa altura de tráfico de marfim, é como se o livro “não fosse marcado pelo tempo” e muito por isso lhe sobrevive. “Estamos no domínio do humano mais profundo, cheio de uma grande ambiguidade, tudo se alimenta se opostos. A lucidez e o obscuro, a civilização e as trevas” num livro estilisticamente sofisticado.