Em 2015, Mantas Kvedaravičius estivera em Mariupol, e realizara aí o primeiro Mariupolis, documentando a vida quotidiana durante o conflito na região separatista de Donetsk. Sete anos depois, em 2022, Kvedaravičius voltou ao local para se reencontrar com as mesmas personagens e mostrar o seu dia a dia na guerra entre a Rússia e a Ucrânia, que acabara de eclodir.
Esta nova investida, em nome da verdade e do cinema, acabou por lhe custar a vida. Durante o cerco à cidade, o realizador lituano foi capturado e executado por militares russos de extrema-direita (os chamados rachists). Morreu no dia 30 de março de 2022, aos 45 anos. Era um adepto do cinema do real e tinha um doutoramento em Antropologia Social, pela Universidade de Cambridge.
Mais tarde, alguns colegas de Kvedaravičius recuperaram e montaram as suas filmagens, para mostrar ao mundo este seu último filme. E a primeira apresentação aconteceu no Festival de Cannes.
Em Mariupolis 2, não somos expostos ao choque da guerra, da forma como, durante semanas, o fizeram as televisões. O filme mostra-nos, antes, a normalização do inconcebível na luta pela sobrevivência, através de personagens, velhos homens e mulheres, que se adaptam às bárbaras circunstâncias. Um filme que transborda humanidade e que pode ser lido também enquanto tratado antropológico – como no caso daquela mulher que, no início do filme, conta, rindo-se, como se fosse uma peripécia: “Uma explosão ali ao fundo, e eu cheia de vontade de ir à casa de banho. Esgueirei-me e consegui lá chegar…” Ouvem-se frases como: “Ou morria dos bombardeamentos ou morria de fome.”
Não há tempo para chorar os mortos, porque coabita-se com a morte, literalmente, como sucedeu com aquele homem que passou três dias com os restos do cadáver do vizinho, no terraço. Às tantas, uma personagem diz que só se faz a guerra por interesses económicos de ambos os lados, e remata: “Não vale a pena dar a vida por um oligarca.” Chocante sem procurar o choque, Mariupolis 2 é um filme sobre a vida como ela não devia ser.
Mariupolis 2 > De Mantas Kvedaravičius > 112 min