Com um pouco de boa vontade, o burro do filme de Jerzy Skolimowski poderia ser nomeado para o Oscar de Melhor Ator, mas a academia ainda não abriu quotas para equídeos. Além disso, para interpretar EO, o brilhante protagonista do filme do realizador polaco, foram necessários seis burros, cada um menos teimoso do que o outro. Mas, claro, o realizador, que se entregou à tarefa de dirigir animais conhecidos pela sua casmurrice, no final fez questão de deixar a nota de que nenhum deles foi maltratado e que todo o filme é uma declaração de amor aos animais.
EO inspira-se assumidamente em Peregrinação Exemplar (Au Hasard Balthazar, 1966), clássico de Robert Bresson. O burro é protagonista, mas, acima de tudo, um fio condutor, para mostrar a visão do realizador sobre o mundo. De certa forma, EO é um filme de aventuras, de peripécias, em que, através da involuntária peregrinação do animal, somos convidados a refletir sobre a natureza humana.
A base de Bresson está lá, mas Skolimowski faz mais do que atualizar e recontextualizar o conceito. Há toda uma nova perspetiva, um olhar atual, que faz do filme polaco um objeto raro e interessante dos nossos dias, com todas as suas subtilezas. O burro é, acima de tudo, uma vítima das circunstâncias. Não é uma figura animada como o burro de Shrek, EO deixa-se apenas levar pelos acontecimentos, que se sucedem de forma incontrolada, sem darem espaço para a autodeterminação. Por esse ângulo, este é um filme fatalista, sobre a incapacidade humana/animal de controlar o próprio destino.
O bem-estar de EO está dependente do humanismo e empatia daqueles com quem se cruza. E em todos os momentos persiste um sentido irónico sobre a própria natureza humana. E, claro, a única conclusão possível é que burros somos nós.
Autor de filmes como Quatro Noites com Ana e Essential Killing, Jerzy Skolimowski, veterano realizador polaco, chega desta forma, pela primeira vez, aos Oscars. Mas o grande favorito na categoria de melhor filme estrangeiro é A Oeste Nada de Novo, do alemão Edward Berger.
EO > De Jerzy Skolimowski, com Sandra Drzymalska, Isabelle Huppert, Lorenzo Zurzolo, Mateusz Kosciukiewicz > 88 min.