Em Com Amor e com Raiva, Claire Denis põe frente a frente, disputando o espaço do ecrã, dois dos maiores atores franceses da sua geração: Juliette Binoche e Vincent Lindon. Se imaginarmos isto como sendo uma verdadeira disputa, podemos verificar que Binoche leva claramente a melhor, o que até é bastante natural, porque, por assim dizer, está a jogar em casa, já que tem sido a atriz de eleição da realizadora.
Claro que tudo isto é figurado. Os atores não estão em disputa nem nunca poderia haver uma competição real. Em última análise, é a realizadora que determina como e quando aparecem no ecrã, e eles, na verdade, complementam-se e crescem juntos. Mas, fruto da própria história contada, fica a sensação de que algo assim acontece, pois ficcionalmente há também uma disputa de amor e de orgulho entre as personagens, num triângulo amoroso completado pelo (muito) mais discreto Grégoire Colin.
Com Amor e com Raiva é um melodrama naturalista, que assenta na relação de um casal de meia-idade. Uma relação aparentemente feliz, ou pelo menos funcional, na qual se adivinha o perigo que surge com a reaproximação do terceiro elemento – o ex-namorado dela, o melhor amigo dele, com o qual estabelece uma ligação de dependência laboral. Essa tensão cresce dentro do casal, mas é desenvolvida de forma mais subtil e contundente na personagem feminina, Sara.
O filme tem uma narrativa secundária em torno da disfuncional relação, de semiabandono, de Jean (Lindon) com o filho e com a mãe, mas é de tal forma lateral e desinteressante que se torna um dos pontos pouco conseguidos da longa-metragem. Mais interessante é a sombra do passado, que atravessa toda a narrativa sem a necessidade de grandes explicações.
Com Amor e com Raiva, que valeu um Urso de Ouro para melhor realização em Berlim, apoia-se sobretudo no trabalho dos atores e na densidade psicológica das personagens. Nesse aspeto, Binoche e Lindon sustentam e conduzem o filme: Jean com uma fragilidade masculina e terna, que chega a ser desconcertante; Sara, na sua constante audácia e instabilidade emocional. Ela é o eixo daquele triângulo aberto, que no lado masculino só se completa com a amizade. Uma personagem sólida nas suas contradições, que, ao mesmo tempo, parece perdida e assertiva na sua determinação em conciliar o inconciliável.
Uma chamada de atenção ainda para a banda sonora que, como é hábito nos filmes de Denis, conta com música original dos Tindersticks.
Com Amor e com Raiva > De Claire Denis, com Juliette Binoche, Vincent Lindon, Grégoire Colin > 116 min