Numa altura em que o mundo da animação é dominado comercialmente pela estética marcada da Disney e da Pixar, a estreia de um novo episódio de Ernest e Célestine, da dupla francesa Julien Chheng e Jean-Christophe Roger, é visualmente muito refrescante e estimulante. O ponto de partida é um belíssimo álbum ilustrado da belga Gabrielle Vincent, que usa a técnica de aguarela. Um regalo para os olhos.
Em termos narrativos, o filme parte de um duo dinâmico: um casal improvável, composto por um urso e uma rata, com traços de personalidade vincados (ele é um pouco bruto, ela um pouco teimosa). Partem em direção a Charabie, a terra natal dele, com a intenção de consertar o violino stradiursus, que ela acidentalmente partiu. É, pois, uma história de músicos.
Em Charabie, vive-se uma distopia orwelliana, mas, em vez de se proibirem os livros, como acontece em 1984, são os instrumentos que estão a ser confiscados. Só é permitido tocar a nota dó, o que faz com que se monte uma resistência armada de instrumentos e até mesmo o tráfego de notas musicais.
A cidade tem um lema: “É assim que as coisas são.” E isso funciona para tudo, incluindo as leis mais ignóbeis ou aleatórias. Há, deste modo, uma crítica social firme, direcionada para o conformismo, mostrando todos os riscos do pensamento único. Tal ideia estende-se à questão do peso da tradição na orientação profissional. Parte da desgraça da cidade deve-se à insubmissão de Ernest, que se recusa a ser juiz, como o pai, e foge com o objetivo de prosseguir a carreira de músico.
A Viagem em Charabie surge dez anos depois da adaptação do primeiro livro de Gabrielle Vincent, que valeu uma nomeação para os Oscars. Os realizadores não são os mesmos, pelo que o traço do desenho se altera um pouco. Apesar de ser uma daquelas animações que muitos adultos também gostarão de ver, não deixa de ser um filme infantil apropriado a todos os públicos, pelo que estará nas salas em versão dobrada.
Ernest e Célestine: A Viagem em Charabie > De Julien Chheng e Jean-Christophe Roger > 80 min