Quando a Womex nasceu, em Berlim, em 1994, a expressão “world music” vivia o seu apogeu. Ainda se vendiam muitos discos e multiplicavam-se, por todo o mundo, festivais que não se contentavam com os grandes nomes da música pop rock inglesa e americana. A curiosidade sobre a música feita nos mais recônditos cantos do planeta era infinita… Fazia todo o sentido criar um palco global para que agentes, editoras e artistas se encontrassem, se conhecessem e discutissem os seus assuntos. Em 28 anos, muito mudou na indústria musical, e a Womex (uma abreviatura de “Worldwide Music Expo”) foi acompanhando essas mudanças, passando por diversas cidades europeias.
Em 2021, chegou ao Porto, num ano desafiante, em que o mundo começava a levantar a cabeça, ainda assustado com a pandemia. E foi um sucesso. Agora, estabelece-se, pela primeira vez, em Lisboa, entre os próximos dias 19 e 23. O centro de operações, lugar de todos os encontros, será a Altice Arena, mas essa área estará fechada ao público geral, que pode comprar dois passes para ter acesso a concertos e filmes em várias salas da cidade (ver caixa). Esperam-se, em Lisboa, mais de 2 500 profissionais da indústria musical, representantes de cerca de 520 editoras e distribuidoras de todo o mundo e mais de 300 músicos das mais diversas origens, que vão participar em 70 espetáculos espalhados por sete salas.

“Pela Womex passa o que vai chegar às salas de concertos e aos festivais nos próximos tempos”, diz António Miguel Guimarães, diretor-geral destas duas edições do evento em Portugal. “A ideia é mesmo mostrar aos profissionais atuações de artistas, com excelentes condições, para eles decidirem se os querem contratar nos próximos dois anos; para o público em geral que consegue um bilhete, ver esses concertos é quase um privilégio.”
Uma das grandes mudanças nas quase três décadas que passaram desde a primeira edição da Womex – além, claro, da gigante queda na venda de discos e correspondente advento da distribuição digital de música – teve que ver com a própria expressão “world music”, no centro da identidade deste encontro global, mas que foi caindo em desuso. Ao englobar tantas músicas e estilos de todos os continentes, fará ainda sentido falar em world music? “Já não é a world music do Peter Gabriel…”, diz António Miguel Guimarães, referindo-se aos esforços do músico inglês, nos anos 80 e 90, através do festival Womad e da editora Real World, no sentido de dar visibilidade às várias tradições musicais do mundo. Concordando que a expressão foi caindo em desuso “na comunicação”, o diretor-geral das edições portuguesas da Womex acredita que, “ao nível profissional e de apetência do público, isso não se refletiu”: “A world music tem cada vez mais público no mundo inteiro; nos grandes festivais de pop rock, de eletrónica, de jazz, estão, cada vez mais, muitos artistas do universo da world music.” No fundo, nessa etiqueta cabe tudo o que, na música popular, “não é aquele pop rock mais clássico sem influências das músicas locais”. E António Miguel Guimarães resume assim a questão: “Não sendo a melhor, a expressão ‘world music’ é bastante boa, e é muito difícil substituí-la para que as pessoas percebam do que estamos a falar.”
Assim, por Lisboa vão passar ritmos e melodias que revelam diretamente as mais profundas tradições musicais de comunidades espalhadas pelos cinco continentes e se abrem a todos os outros géneros musicais: eletrónica, jazz, rock, clássica…
Com todas as restrições provocadas pela pandemia, a área da música ao vivo foi das que mais sofreram, de um momento para o outro, após vários anos de crescimento. A edição da Womex de 2021, no Porto, foi a de reencontro (depois da suspensão em 2020) e esperança em melhores dias. Mas, agora, passado um ano, há outras sombras no horizonte. “Estamos num período da vida mundial muito… amalucado, em que vamos rapidamente da grande esperança ao medo da desgraça”, diz António Miguel Guimarães. “Desde que começou esta guerra [na Ucrânia], as nuvens pairam, e a inflação já trouxe grandes problemas a muitos países. Alguns meios já falam de recessão grave, mesmo na área musical… É cedo para percebermos o que vai acontecer, mas sei que, por exemplo, em Inglaterra, já há festivais a cancelar datas em 2023 porque as vendas de bilhetes estão abaixo das expectativas…”. A grande reunião da indústria musical em Lisboa vai, pois, fazer-se em andamento allegro, ma non troppo.
Mapa das descobertas
O que o público pode ver na edição lisboeta da Womex

Na Womex, a prioridade no acesso a concertos, filmes, conferências, debates e showcases é dada aos profissionais inscritos (cerca de 2 700). Mas o público também pode assistir a vários espetáculos e filmes que vão espalhar-se por oito locais de Lisboa. Estão disponíveis dois passes: um, com o preço de 30 euros, dá acesso aos 14 concertos que acontecerão no Coliseu dos Recreios e no LAV (Lisboa ao Vivo); o outro, que custa 35 euros, permite ver 39 concertos e cinco filmes no Cinema São Jorge, Tivoli BBVA, Capitólio, tenda no Parque Mayer e Cinemateca Portuguesa. A presença em Portugal da montra global da Womex, em 2021 e 2022, reflete-se numa enorme oportunidade para músicos portugueses e lusófonos chegarem a palcos de todo o mundo. Nesta edição, o Cinema São Jorge transforma-se em Lusofónica Stage e recebe atuações de Ana Lua Caiano, Pedro Jóia e o fadista alentejano Duarte representando a música portuguesa, Karina Gomes (Guiné Bissau/Portugal), Prétu/Xullaji e Tito Paris (Cabo Verde/Portugal), os brasileiros Kastrup e Bia Ferreira, e Sheila Patricia, uma espécie de Rosalía das Rias Baixas, na Galiza, que leva o galego a tomar parte do palco lusófono. A fadista Sara Correia e a cantora de origem moçambicana Selma Uamusse estão no programa dos showcases oficiais, ao lado de bandas e projetos dos quatro cantos do mundo. O ambiente, em eventos como a Womex, é de descoberta, com os ouvidos bem abertos, à espera de serem surpreendidos e arrebatados.
Na Cinemateca, cinco filmes recentes sobre música podem ser vistos pelo público: Singing in the Wilderness (na foto, uma produção chinesa de 2021), Esta Vida y la Otra, do colombiano Luis Rojas, This is National Wake, da afro-americana Mirissa Neff, sobre uma banda rock da África do Sul, Pour de Vrai, produção francesa de um realizador franco-marroquino, e Gidam, Drums of Protest in Khartoum, que nos revela uma jovem sudanesa com o seu djambé nos protestos nas ruas do Sudão.

Womex Lisboa > 19-23 out, qua-dom > vários locais Lisboa > €30-€35 > programa completo em womex.com