Um dia o tempo havia de lhe fazer justiça. E esse dia é hoje, 17 de junho de 2021, data da estreia comercial em Lisboa, Porto e Coimbra de O Movimento das Coisas (distribuição The Stone and The Plot), primeiro e único filme de Manuela Serra, terminado em 1985. E se este é um caso de justiça, porque o filme vale muito, trata-se apenas de justiça poética e reconhecimento tardio. Porque pelo caminho ficou uma muito promissora carreira de uma cineasta que revelava um olhar e uma linguagem bastante sólidos logo na primeira obra.
E de quem foi a culpa de Manuela Serra não ter feito mais filmes? A realizadora aponta o dedo a um meio que, nos anos 80, era quase exclusivamente masculino e extremamente machista, acusando mesmo de assédio sexual alguns dos produtores a quem bateu à porta (não revela nomes e diz que alguns até já morreram). Verdade é que, ao tempo, seria extremamente difícil conseguir um apoio do Instituto do Cinema sem a participação de uma produtora e todas lhe fecharam as portas. Mas terão sido mesmo os episódios de assédio que levaram Manuela a desistir do cinema, tornando-se um elo perdido do cinema português.
O filme, que teve um interessante percurso por festivais, é um dos mais interessantes e intrigantes objetos do cinema português dos anos 80. Com uma toada contemplativa, um tempo lento, um muito interessante uso do zoom, Manuela convida-nos a observar a vida numa aldeia do Alto Minho através de três famílias. Toda a aldeia cabe no filme. Há um retrato etnográfico, um pouco ao estilo de António Reis e Margarida Cordeiro, mas a que Manuela dá um olhar ou um estar muito pessoal.
O Movimento das Coisas está envolto por uma encantadora aura poética, na beleza da fotografia, na criação de um tempo próprio, mas também na banda sonora de José Mário Branco composta especialmente para o filme.
Veja o trailer
O Movimento das Coisas > De Manuela Serra > 86 minutos