Em O Mal Não Existe, Mohammad Rasoulof fala-nos de heróis que se recusaram a acatar ordens que implicavam a morte de um terceiro. Mas o verdadeiro herói deste filme é o próprio realizador, que, ao realizá-lo, incorreu numa pena de um ano de prisão no Irão. Um caso em que a coragem artística e a coragem política andam lado a lado e ao mais alto nível. Rasoulof segue, assim, o mesmo perigoso caminho de Jafar Panahi, entre outros. Tudo em nome da liberdade de expressão.
Contudo, e ao contrário do que se possa pensar, O Mal Não Existe está longe de ser um filme panfletário, de propaganda, que apela diretamente ao derrube do regime denunciando os seus excessos. Aliás, à primeira vista, a questão que expõe é essencialmente da ordem moral, ligada à objeção de consciência, em volta da pena de morte (sem implicação política com a natureza do crime). Através de quatro histórias, autónomas mas de leitura conjunta, Rasoulof oferece-nos perspetivas diferentes sobre o executante das sentenças de morte e defende, de forma mais ou menos explícita, o direito a desobedecer. Tal é feito numa sequência lógica e ordenada original, como quem faz um ensaio ficcionado sobre um tema e tenta cercar os diversos ângulos e possibilidades. Um ensaio moral que, logo à partida, põe uma questão: a culpa é de quem dá a ordem ou também de quem a executa?
No primeiro quadro, de modo irónico, confronta-nos com o quotidiano banal do carrasco. No segundo, chega o ato heroico: o herói é aquele que se recusa a disparar. No terceiro, há a dor do arrependimento, numa espécie de suicídio psicológico, tão devastador como a morte. No quarto, vemos as consequências brutais e duradouras do tal ato heroico. Tudo isto, claro, tornou o filme um objeto sensível para os serviços iranianos, mesmo (ou sobretudo) com a inteligência de atacar indiretamente o regime através de princípios morais. O filme recebeu o Urso de Ouro, em Berlim, pela sua acutilância política, mas também, sem dúvida, pela qualidade estética e artística, na linha de outros grandes nomes do cinema iraniano.
O Mal Não Existe > De Mohammad Rasoulof, com Baran Rasoulof, Mohammad Seddighimehr, Mohammad Valizadegan > 151 min