Basil da Cunha conta uma história de crime, amor, delinquência e amizade num bairro de lata da Reboleira – prestes a ser desmantelado –, de uma forma tão cúmplice e detalhada que só está ao alcance de quem se confunde com os seus habitantes. O primeiro vetor de O Fim do Mundo é precisamente esse: Basil da Cunha sabe do que está a falar. Há anos que se imiscui na Reboleira (assim como Pedro Costa nas Fontainhas), adotando o bairro como seu e partindo da vivência para contar os seus filmes. Um processo que ocorre desde as primeiras curtas-metragens, passando pela longa Até Ver a Luz (2013), mas que em O Fim do Mundo é particularmente bem conseguido. Nos filmes de Basil da Cunha, não há margem para o retrato antropológico externo, feito por um observador que, lenta e respeitosamente, se aproxima do objeto retratado. Aqui, tudo é feito de dentro para fora.
Por outro lado, a Basil da Cunha também não interessa aquele olhar semidocumental, das chamadas ficções do real, como faz a dupla Filipa Reis/Gonçalo Miller Guerra. Em Basil, há uma vontade explícita e assumida de contar histórias, criando personagens fortes, como aqui é Spira (excelente interpretação de Michel Spencer) e no anterior era Sombra. O Fim do Mundo é um filme empolgante, com uma linha narrativa bem construída.
Ao mesmo tempo, não é, de todo, descurado o aspeto cinematográfico. Filmado maioritariamente à noite, o filme é esteticamente impactante, com os seus jogos de luzes e sombras, em que o breu contrasta com o fogo, elemento primordial em termos narrativos. Depois da passagem por Locarno, venceu a competição nacional do IndieLisboa, confirmando Basil, nascido na Suíça em 1985, como um dos mais interessantes realizadores da sua geração.
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O Fim do Mundo > De Basil da Cunha, com Michel Spencer, Lara Cristina Cardoso, Marco Joel Fernandes, Alexandre Da Costa Fonseca > 107 minutos