Mais do que contar uma história ou construir um deslumbrante objeto cinematográfico, Vidas Duplas, o novo filme do francês Olivier Assayas, tem como propósito levantar questões sobre a vida contemporânea, sobretudo no que diz respeito à proeminência do digital na literatura e na cultura. Para o fazer, coloca as suas personagens em diálogo, quase ao estilo de Platão. Os tímidos movimentos de ação são apenas um fundo para amparar o que realmente interessa. Ou seja, pouco importa o que as personagens fazem, apenas o que dizem. Mesmo quando o grande debate sobre os desafios da edição digital decorre durante uma cena de adultério.
Vários temas se abordam no filme, todos com grande pertinência e atualidade. O principal é mesmo o futuro da edição, em que há um questionamento sobre a quebra de vendas de livros em papel e a crescente literatura para tablets e telemóveis. Aqui, há um interessante jogo semiótico. O editor, Alain, trai a mulher com a diretora do departamento de novas tecnologias. Metaforicamente, poderá ler-se que a edição digital é para ele um tentador ato de infidelidade.
Num outro plano, discutem-se os limites da autoficção, através de Léonard, escritor-caricatura que não resiste a descrever nos seus livros casos amorosos extraconjugais, expondo publicamente a vida de terceiros, o que se torna inevitavelmente polémico nas redes sociais (que ele próprio ignora). Há, ainda, num subplano, a questão de Selena, mulher de Alain, atriz de teatro a fazer uma série de televisão, meio que despreza. Semioticamente, também é revelador que a decisão de Selena deixar o amante coincida com o abandono da série (ambas serão questões morais). Há, ainda, uma subleitura política na personagem de Valérie, assessora de um proeminente deputado. Enfim, em Vidas Duplas, as pequenas e grandes traições são um dado adquirido numa sociedade que teima em não encontrar o caminho para ser fiel a si própria.
Veja o trailer do filme:
Vidas Duplas > de Olivier Assayas, Guillaume Canet, Juliette Binoche, Vincent Macaigne, 108 min