2 (boas) peças para ver nos teatros nacionais de Lisboa e do Porto

1. “A Morte de Danton”, Teatro Nacional S. João, Porto

A voragem e o caos da Revolução Francesa, arquétipo de todas as revoluções, é a matéria que alimenta A Morte de Danton, de Georg Büchner, inovador na forma fragmentada e cinematográfica como construiu esta peça, em 1835, de modo a servir o radicalismo das suas ideias. A ação desenrola-se na primavera de 1784 e acompanha a reta final do conflito entre Robespierre e Danton, figuras de contornos dúbios, entre as vésperas da detenção deste último e a sua execução. O público contemporâneo, porventura desprovido de informação sobre este período histórico, não ficará às cegas. “Há matéria reconhecível, o texto é brilhante e o facto de ser a Revolução Francesa não obsta à compreensão, antes a reforça, porque se fala da criação do Estado tal como o conhecemos, nós é que já nos esquecemos disso”, sublinha Nuno Cardoso.

Descrita pelo encenador como uma obra “perigosa” e “exigente”, “de uma violência brutal”, acompanhou-o desde a primeira leitura, enquanto estudante universitário em Coimbra. “A ligação epidérmica à peça é a mesma”, confessa, tendo agora reunido as condições para a levar à cena, na abertura da primeira temporada enquanto diretor artístico do Teatro Nacional São João. As 48 personagens serão desmultiplicadas por 13 atores – a maioria caras reconhecíveis de outros trabalhos de Nuno Cardoso, com Albano Jerónimo como protagonista –, de rosácea tricolor ao peito, com figurinos contemporâneos, entre fatos completos de veludo e casacos desportivos de capuz a traçarem a divisão de classes. O cenário industrial, dividido por uma falha sísmica, acentua as fraturas inerentes a todas as revoluções e os problemas na engrenagem política que se perpetuam no tempo. “É por essa fratura que se vertem os discursos políticos populistas, extremamente perigosos”, diz Nuno Cardoso. Uma peça, também, sobre o destino atual da Europa. Teatro Nacional São João > Pç. da Batalha, Porto > T. 22 340 1910 > até 29 set, qua e sáb 19h, qui-sex 21h, dom 16h > €7,50 a €16

2. Antígona, Teatro Nacional D. Maria II, Lisboa

Recuemos à estética dos musicais de distopia gótica de finais dos anos 80, inícios dos 90 do século passado. Transportemos Tebas para um submundo urbano dos dias de hoje e eis-nos perante a versão de Mónica Garnel de Antígona, de Sófocles, em cena no Teatro Nacional D. Maria II. As personagens não cantam – gritam, crescem umas para as outras – e a dança cabe ao coro, acompanhado por um break dancer. No início, podemos ouvir uma versão de Smells Like Teen Spirit, dos Nirvana, e ao longo do espetáculo alguns fragmentos que fazem pensar na música dos Morphine. Referências cinematográficas também estão presentes no desenho dramático e cénico da peça. “Não sei se será visível mas pensei muito no David Lynch… Aliás, no Creonte vi fisicamente, e não sei porquê, o próprio Lynch”, confirma Mónica Garnel, cuja infância foi passada em contacto com memorabília desta peça, com a qual a sua avó, a atriz Mariana Rey Monteiro, se estreou.

Vamos ao mito, grego: Antígona é a filha que se mantém firme junto ao pai, Édipo, quando este é expulso do seu próprio reino, Tebas, pelos irmãos dela. Fiel, acompanhou-o no exílio e na morte e, quando regressa a Tebas, encontra os irmãos em disputa pelo trono. Se a guerra parece não resolver a contenda, um combate entre os dois irmãos acaba com ambos mortos – o tio, Creonte, manda enterrar um com todas as honrarias e o outro é deixado aos bichos, sem que ninguém possa tocar no corpo. Como a desgraça nunca sabe ser contida, Antígona não resiste a tentar enterrar de alguma forma o irmão e Creonte manda matá-la. Antígona é noiva do filho de Creonte, que tenta dissuadir o pai sem sucesso. A partir daqui, soma-se tragédia atrás de tragédia, sempre com a presença, no meio de tudo isto, do profeta Tirésias. “Li algures que Antígona era uma espécie de thriller político e gostei imenso disso”, conta Garnel. E acrescenta que lhe interessou trabalhar a dualidade razão/agouro. “É uma peça de surdos, ninguém se ouve. A tragédia da Antígona, do Creonte, é a tragédia de todos nós. Só o Tirésias é que se faz ouvir quando a casa já está a desmoronar-se… Esta peça é uma vertigem.” Teatro Nacional D. Maria II > Pç. D. Pedro IV, Lisboa > T. 21 325 0800 > até 6 out, qua e sáb 19h, qui-sex 21h, dom 16h > €6,75-€12