
Romeu Costa, Isabel Abreu e Tonan Quito são os atores de Órfãos, uma peça encenada por Tiago Guedes
Estelle Valente
Um casal está, em casa, num jantar “romântico, tipo comemorativo”, quando entra o irmão dela, com a camisola coberta de sangue. Olhares surpreendidos, silêncio e a pergunta: “Tudo bem?” Parece inusitada perante aquela situação, mas dá o mote a esta peça, escrita pelo britânico Dennis Kelly. Órfãos há de ser um crescendo de tensão, de revelações e de infelicidade – afinal, o que aconteceu ali e como reagem estas três personagens a esse episódio de violência?
Aos poucos, havemos de perceber a história, as mentiras, as motivações, os fantasmas e todo o lixo já acumulado até este jantar à luz de velas. “É como um puzzle, onde vamos encaixando as peças e as informações que vamos recebendo”, descreve a atriz Isabel Abreu, que partilha o palco com Tonan Quito e Romeu Costa, encenados por Tiago Guedes.
“Este não é o mundo justo que tu achas que é”, atira a mulher ao marido. “Não somos um pouco responsáveis pelo nosso semelhante?”, começa por se interrogar ele. Em cena, há meias-palavras, frases suspensas ou incompletas, assuntos deixados a meio para serem retomados mais à frente. Órfãos é uma peça feita de pausas, de tempos e de silêncios – criteriosamente assinalados e distinguidos no texto de Dennis Kelly. E feita também de uma linguagem solta, mas cheia de travões, interrupções e contradições, num ritmo de diálogos rápidos com frases que se cruzam quase como se não tivessem já escritas. “É isso que lhe dá realismo”, acredita Tiago Guedes. “Podia ser um dramalhão, mas isso não me interessa.”
Para o encenador, esta é “uma peça sobre nós e os outros, sobre como estamos mais fechados e como o mundo caminha para uma cena mais individualista”. É também, acrescenta, “sobre como um homem bom se pode destruir em determinadas circunstâncias e em nome de quê abdica dos seus princípios, sobre a forma como se age perante uma situação violenta que nos bate à porta”. Isabel Abreu sublinha “o medo como ação” nesta história. Medo da solidão, medo do outro, do abandono, do exterior, todos os medos num só. Na rapidez de revelações, a peça não deixa tempo para o pensamento – nem para o das personagens em palco nem para o nosso, na plateia. Tal como acontece, cá fora, quando escolhemos que caminho seguir.
Órfãos > Teatro Municipal São Luiz > R. António Maria Cardoso, 38, Lisboa > T. 21 325 7640 > 2-17 dez, ter-sex 21h, dom 17h30 > €5 a €12