
Paulo Pires, Catarina Furtado, Manuela Couto e João Reis, quatro atores que dão vida a quatro personagens bem diferentes
Pedro Ferreira
À primeira vista são muito diferentes os dois casais que se encontram naquele alpendre de uma casa numa cidadezinha à beira da serra. No entanto, havemos de perceber que, na verdade, não somos assim tão diferentes uns dos outros. Escrita pelo dramaturgo americano Will Eno, Os Dias Realistas é uma comédia negra que põe em palco dois maridos e duas mulheres, Tó e Margarida, João e Bambi, que partilham o mesmo apelido: Dias. E também, descobriremos mais tarde, uma mesma doença neurológica, ainda pouco conhecida, que interfere com o pensamento e a linguagem – e, por isso, não são assim tão diferentes os seus medos, as suas interrogações, as suas forças e fraquezas, os seus desejos.
Há de fazer-nos rir, sim, esta comédia, mas há de, sobretudo, deixar-nos constrangidos na plateia, pela deterioração que se adivinha, pelas solidões de cada um dos personagens, pelas conversas mais ou menos de circunstância, pelos dias que passam sem que nada de memorável aconteça mas que fazem avançar o calendário.
“Tinha vontade de fazer uma comédia assim, que trata de temas importantes e que põe personagens e também a nós perante o desconhecido e a mortalidade”, diz Marcos Barbosa, que já antes encenou outras peças de Will Eno. Para o palco chamou João Reis, Manuela Couto, Paulo Pires e Catarina Furtado, quatro atores que dão vida a quatro personagens bem diferentes: o homem que se deixa levar, perdido perante a doença; a sua mulher que acaba por ser, não só sua mãe, como de todos os outros; o vizinho que disfarça a doença para poupar a sua namorada, uma menina carente e insegura, incapaz de enfrentar o que se passa, muito elétrica e tonta q.b.. O tom certo, concordam, foi o mais difícil de conseguir.
“É uma peça complexa que, por vezes, parece absurda, mas na qual vamos descobrindo significados”, descreve Paulo Pires. “O texto parece simples, porque realista, mas está cheio de camadas. Tem quase um lado documental, como se puséssemos uma câmara em casa de alguém e ficássemos a ver o que se passa”, acrescenta Manuela Couto. Uma comédia tragico-dramática, como diz João Reis, “um humor feito sobre a desgraça”.
No fim de contas, resume Catarina Furtado, aqui se fala “do exercício de relacionamento – seja no amor ou na amizade, perante o desconhecido ou perante isto de viver em sociedade”. Hão de restar-nos esses dias que, mesmo parecendo não terem nada de memorável, são os nossos.
Os Dias Realistas > Casino Lisboa > Al. dos Oceanos, Lt. 1.03.01, Parque das Nações, Lisboa > T. 21 892 9000 > a partir 11 jan, qui-sáb 21h30, dom 17h > €15 a €18