Mandaram-nos recolher numa sexta-feira 13 que nunca mais ninguém vai esquecer. Nove dias depois, nasceu uma página no Instagram com o nome Chamadas para a Quarentena. E dia 24, publicou-se a primeira curta-metragem, pensada, escrita, interpretada e realizada a partir de várias casas. Até hoje, conheceram-se mais sete desses episódios que não vão além dos seis minutos e que ficcionam pequenas histórias deste estranho tempo em que vivemos desde essa data primordial. Os seguidores vão nos três mil mas as visualizações já ultrapassam as 300 mil.
No meio desses milhares, estava José Fragoso, diretor de programas da RTP, que, ato contínuo, pegou no telefone e fez uma chamada para a quarentena. Do outro lado da linha, atendeu Artur Ribeiro, realizador de créditos firmados nos tempos em que a ficção se produzia in presentia. Ouviu a proposta decente com atenção e logo foi discuti-la com os seus amigos e compinchas de projeto: Filipe Homem Fonseca, Luís Filipe Borges, Nuno Duarte e Tiago R. Santos, que se apresentam na dita página do Instagram como “um grupo de amigos que se encontrava – com regular irregularidade – para jantares bem regados a álcool e gargalhadas.”
Sem jantares, mas com as mesmas gargalhadas – e imagina-se que o álccol também se mantenha na equação – o grupo aceitou, sem hesitar, passar este projeto que surgiu de modo quase espontâneo, super low-fi, sem orçamento, produção, luz, maquilhagem, para o ecrã intimidatório da televisão. Mantendo, no entanto, quase as mesmas características ao transformar estas Chamadas na primeira série de ficção feita a partir de casa, rebatizando-as de O Mundo Não Acaba Assim.
O que este vírus fez à nossa realidade
Na verdade, pouca coisa se alterou. As chamadas continuam a ser o ponto central da trama, feitas na mesma por Skype (ou Facetime quando a internet não ajuda), pondo dois, três ou quatro atores a contracenarem e a serem dirigidos à distância. “Tivemos de inventar uma forma de filmar que não infringisse as regras em vigor”, explica Artur Ribeiro, a partir de sua casa, claro.
Para melhorar a qualidade da imagem, a ponto de ela poder ser transmitida em televisão, há um técnico que vai a casa dos atores que entram em cena e, à sua porta, desinfeta o telemóvel e instala um equipamento de filmagem profissional. No final da cena, esse equipamento é devolvido pelo mesmo processo e, com os mesmos cuidados, entregue em casa do realizador de serviço (os cinco amigos rodam de curta em curta, mas sempre com a colaboração de todos).
A fase seguinte, a pós-produção no mundo normal, também acontece em casa, desde a correção de cor à montagem do som. Os atores, como Sofia Nicholson, João Lagarto, Manuela Couto ou Sofia Grillo, entre muitos outros, apresentam-se no ecrã sem maquilhagem, cabelo retocado por profissionais ou guarda-roupa pré-definido – entregam-se, pois, ao natural, em modo intimista, mostrando até um pouco das suas casas.
“Há uma relação muito mais direta entre a escrita e a representação. Além de que notamos uma naturalidade e veracidade enormes nos quase 60 atores que aceitaram o nosso desafio”, conta Artur.
Cada episódio é composto por várias curtas, mas algumas dessas pequenas histórias podem ter continuidade ou as personagens relacionarem-se de narrativa para narrativa, o que diferencia isto de uma coleção de sketches humorísticos. Os atores, aliás, estão sempre no mesmo papel, não mudam nunca de personagem. As histórias refletem a realidade em que estamos, mas o tema central nunca é a Covid-19, embora a doença esteja sempre presente como geradora de problemas e conflitos – sendo ficção, essas situações são extremadas muitas vezes.
Durante seis semanas, haverá episódios sempre no mesmo dia e à mesma hora, em prime time. Espera-se muita identificação por parte dos telespectadores, até porque a ficção atual terá de passar por este registo, pelo menos durante os próximos tempos.
O Mundo Não Acaba Assim > RTP1 > ter 22h15