São, hoje, cerca de 150 os espaços comerciais lisboetas que ostentam à entrada a denominação “Loja Com História”. É um programa municipal criado em 2015 com o objetivo não só de assinalar lugares com interesse patrimonial na vida quotidiana da cidade mas também de contribuir para a sua resistência e sobrevivência. Essa luta é, não raro, inglória e muitas lojas acabam mesmo por fechar portas, não conseguindo resistir no contexto dum mercado imobiliário agressivo (com rendas exorbitantes) ou cedendo ao desinteresse de clientes e herdeiros. A partir de 2018, esta iniciativa da Câmara Municipal de Lisboa passou a conceder uma proteção mais efetiva às Lojas Históricas, com benefícios fiscais e mesmo intervenção para impedir alterações súbitas nos contratos de arrendamento.
Mas outro dos objetivos, já há seis anos, deste programa é ajudar a “dinamizar” as Lojas Históricas, sem lhes beliscar a identidade original. E é nesse contexto que, até 15 de novembro, nove delas apresentam, nas montras, intervenções de artistas plásticos de diversas gerações. A Coleção Outono/Inverno – em abril, com a mesma lógica, a coleção Primavera/Verão apresentou intervenções noutras dez lojas – quer pôr os transeuntes a olhar para as montras de outra(s) maneira(s).
1. A Carioca – Ana Pérez-Quiroga
Nas montras d’A Carioca, loja de chás e cafés (que também vende, agora, uns muito contemporâneos pastéis de nata vegan), habitam, por estes dias, objetos e criações de Ana Pérez-Quiroga que remetem para um imaginário oriental e para o culto do chá. A bela gaiola, por exemplo, veio de Xangai, onde a artista passou várias temporadas. O título desta instalação revela bem o modo como Ana pensa “a casa enquanto instalação artística” (ou vice-versa): Breviário do Quotidiano #8. R. da Misericórdia, 9
2. Livraria Trindade – Sara Chang Yan
É um desenho com duas faces (o que convida a entrar na loja e ver a parte de trás), suspenso, de algum modo misterioso na sua abstração e simplicidade, o que a artista Sara Chang Yan propõe para a montra deste alfarrabista que, desde 1960, se impôs na vida dos bibliófilos da cidade. Título: Descobrir Um Através do Outro. R. do Alecrim, 32-36
3. Livraria Bertrand – Adriana Proganó
Numa das muitas montras (logo a primeira, na entrada da Rua Anchieta) da livraria mais antiga do mundo – a Bertrand foi fundada em 1732 –, está uma menina azul que quase não cabe lá dentro. A artista luso-italiana de 29 anos chama-lhe um “óleo sobre tela” em forma de escultura. O título da peça é uma pergunta: Why Can’t I Fit In? R. Garrett, 73
4. Luvaria Ulisses – Sara & André
Nesta clássica e pequeníssima loja da Baixa, inaugurada em 1925, a dupla Sara & André pôs em prática uma ideia simples e divertida. Olhando para as luvas expostas, de homem e mulher, decidiram associar cada modelo a um artista português. Pequenas placas dão, assim, nome aos pares de luvas. Em alguns casos, a escolha é clara (como aquele azul forte associado a Helena Almeida); noutros revela-se a imaginação da dupla. E se estes novos nomes pegarem e fizerem história? R. do Carmo, 87A
5. Ourivesaria Sarmento – Isabel Cordovil
A peça tem o título Alianças para uma Segunda Mão. Por trás de um aparente minimalismo (vemos um quadro azul com diversas alianças douradas, todas iguais, nomes e datas), há toda uma reflexão e muitas histórias. Isabel Cordovil, nascida em Lisboa em 1994, pôs-se a pensar no “ciclo do ouro” e acabou nas casas de penhores a procurar alianças que significam casamentos (e sonhos) acabados. Mas o ouro, esse, segue sempre o seu caminho. Como a Ourivesaria Sarmento, fundada em 1870, na rua com o nome mais apropriado à sua atividade. R. Áurea, 251
6. Manuel Tavares – Ana Vidigal
Fundada em 1860, esta casa, que é tanto uma garrafeira como uma loja de mercearia fina, tem poucos espaços livres entre as muitas iguarias disponíveis. Para Ana Vidigal, encontrar naquelas montras cheias de garrafas de vinho do Porto (em que não podia mexer) espaço para a sua arte foi como meter o Rossio na Rua da Betesga (afinal, é aí mesmo que estamos…). Evocando a fragilidade no transporte das garrafas, a intervenção Não Quebrar (nem em caso de emergência) pode passar despercebida a olhares menos atentos… R. da Betesga, 1A/B
7. Barbearia Oliveira/Moderna – Vasco Araújo
Está mesmo ao lado da Igreja de São Domingos, a dois passos do Rossio e da Praça da Figueira, desde os anos 50. Mudou entretanto de nome, mas o interior mantém-se praticamente inalterado, com as paredes cobertas de notas antigas de todo o mundo. Recortados na montra, em formas douradas, encontram-se vários tipos de barba e cabelo imaginados por Vasco Araújo: “Pincel de Artista”, “Grande Guiador”, “Andorinha”, “Morsa” ou “Dândi”, entre muitos outros. A intervenção chama-se Está Disposto a Mudar. R. Dom Antão de Almada, 4H
8. Ginginha Sem Rival – Francisco Vidal
O Eduardino passou a ser marca registada em 1908, e ainda hoje se bebe neste balcão da Ginjinha, na Rua das Portas de Santo Antão. Trata-se de uma bebida inventada pelo palhaço profissional Eduardinho, que era cliente habitual da casa e atuava ali perto, no Coliseu. Francisco Vidal propõe um novo rótulo, cheio de cores, para essa bebida histórica. R. das Portas de Santo Antão, 7
9. Ferragens Guedes – Ângela Ferreira e Narelle Jubelin
O interior desta loja já parece uma instalação artística, com a sua panóplia de fechaduras e puxadores… Na montra, apresenta-se uma obra de duas artistas (uma portuguesa, outra australiana) que tem viajado pelos hemisférios norte e sul, e joga com esse tema. Há a reprodução de um bordado feito a partir duma foto, e aí uma criança (a bordo do navio Príncipe Perfeito, numa viagem que cruzou o equador) que deita a língua de fora. A criança é Ângela e o vídeo, em loop, um comentário irónico a esse passado. R. das Portas de Santo Antão, 32
Coleção Outono – Inverno > Chiado e Baixa, Lisboa > até 15 nov