Sabemos que chegámos à Ericeira quando o vento nos arrepia a pele e vemos todo aquele imenso mar azul. Por entre surfistas, com a tábua debaixo do braço, e turistas que procuram mesa numa pausa da praia, fintamos a maré de gente para conhecer o tão falado restaurante Avó, junto ao mercado da vila e à Fonte dos Golfinhos. Avisado em cima da hora da nossa presença – tal como aconteceu num dia de julho de 2020, em que Gordon Ramsay decidiu aparecer de surpresa (o chefe britânico esteve em Portugal a gravar a 3ª temporada de Uncharted) –, José Simplício sai da cozinha, de sorriso aberto.
Para trás deixa os últimos preparativos do jantar que há de servir dentro de uma hora. Nascido na Ericeira, esteve na Casa das Penhas Douradas, em Manteigas, passou pela Quinta do Arneiro, em Mafra, e, ao fim de oito meses, voltou à vila, onde abundam as marisqueiras e os restaurantes de peixe, para fazer algo de diferente. “Nunca tinha ido a lado nenhum, senti que precisava de ganhar experiência”, diz. No restaurante Avó, aberto em outubro de 2019, José Simplício faz uma homenagem à sua e a todas as avós de mão-cheia: “É este tipo de comida que eu mais gosto de fazer, uma cozinha de raízes e tradições.” Na ementa, que vai mudando, encontra desde o escabeche de peixe da costa e gema de ovo (€8), a açorda alentejana de bacalhau, ovo e coentros a uma caldeirada de peixe ou um borrego com arroz de forno.
Para preparar estes pratos tradicionais, temperados com criatividade, abastece-se no comércio vizinho. “Faço quase todas as compras num raio de 20 metros”, diz, apontando para o mercado, onde escolhe o peixe na banca do senhor Alfredo e os legumes e a fruta, na da Natália. Já a carne vem de um talho mais à frente, assim como o pão. “Aqui, a pegada ecológica é minúscula”, brinca. Mesmo que concretize o seu plano de abrir um segundo restaurante, José Simplício não tem dúvidas: “O Avó será sempre a minha casa.”
Também quando se entra na Santa Tasca, no Largo de Santa Marta, o tempo parece recuar por algumas décadas. Decorada com peças antigas, a maioria resgatada na casa da avó, como os naperons do cesto do pão e a máquina de moer carne, ali não faltam objetos cheios de memórias. Seis semanas antes de a pandemia fechar o País e o mundo, Margarida Fortunato, nascida na Ericeira, abria esta tasca de petiscos – na altura, a partir das 15 horas; agora, “para aguentar o barco”, funciona o dia inteiro.
Assim que lhe elogiamos as moelinhas estufadas (€3,50), o polvo frito (€9,50) e as pataniscas de mexilhão (€6), Margarida apressa-se a dizer que nunca foi cozinheira, apesar de “gostar de fazer a comida de casa”. O bichinho pelos tachos ganhou-o no restaurante do parque de campismo, gerido pelo pai, entre 1983 e 2005: “Passei lá os verões até aos 22 anos, atendia ao balcão, porque não me deixavam trabalhar na cozinha, que era o que gostava”. Tem esperança de voltar ao plano inicial, mas até lá não vai baixar os braços – ou não ficasse ali mesmo em frente a Igreja de Santa Marta, padroeira das cozinheiras.
PICA-PAU DE ATUM E PEIXINHOS DA HORTA
Não muito longe dali, na Taberna Pérola, na movimentada Rua Dr. Eduardo Burnay, encontramos Hugo Brito, chefe do restaurante Boi-Cavalo, em Lisboa. Desde que aceitou o desafio dos amigos e sócios Mário Wehle e Petrina Reddy para criar a nova carta desta antiga casa de cocktails e ostras, divide o seu tempo entre Alfama e Ericeira. E se na capital faz uma cozinha mais elaborada, aqui são os petiscos que lhe dão gozo preparar. Pode parecer uma ementa simples, mas quem conhece o trabalho de Hugo Brito sabe este não é o adjetivo que melhor define o seu trabalho.
Conhecedor dos bons produtos e das diferentes técnicas de confeção, consegue complicar, para nosso contentamento, um simples arroz de tomate. “Mais do que assente no peixe e nos produtos locais, queria uma carta democrática e que agradasse tanto aos portugueses como aos turistas”, diz o chefe que, todos os anos, vem à Ericeira passar férias e sentia falta de comida de taberna. Agora, no ambiente descontraído da Taberna Pérola, põe à prova tudo aquilo que gosta de fazer (e de comer, claro): peixinhos da horta (€5), pica-pau de atum, codorniz piripíri (€12), entre outras sugestões.
Na padaria T3rço do Meio, aberta em meados de junho, frente ao hotel Vila Galé, André Toscano e Joana Guimarães aproveitam o dia de folga para preparar o pão de fermentação lenta do dia seguinte. Começam pelo rústico saloio, um dos quatro vendidos por dia, mas seguir-se-ão outras variedades, feitas com massa mãe, farinhas de moleiro produzidas de modo artesanal e cereais da região Oeste. Para se dedicar à profissão de padeiro, o casal deixou a vida nas cozinhas dos restaurantes. “Tivemos de consultar muitas receitas, fazer muitos testes”, diz Joana. “Até comprámos um forno para ter em casa. Aliás, transformámos a sala numa espécie de fábrica.”
Num futuro próximo, esperam juntar, no mesmo espaço, as suas duas paixões: a gastronomia e o pão. Por agora, estão dedicados a “fazer este pão que precisa de tempo e de carinho”. Diariamente, há rústico saloio (€2,50/400g) e pão de nove cereais (€3/400g). Na categoria dos especiais, ao fim de semana, destacam-se o brioche (€5/600g) e a focaccia (€3/fatia). O nome da casa, explica Joana, tem que ver com o negócio: “Na parte do terço do meio da mó de pedra, existe uma folga, que não permite que o cereal seja moído, fazendo que o moleiro tenha de continuar o trabalho com as próprias mãos” – tal como faz esta dupla.
Seguimos caminho, por entre ruas de casas brancas debruadas a azul e com o mar à espreita, até ao Tiki Healthy Food Cave que, após um ano e meio encerrado, renasceu em agosto como restaurante com uma ementa vegetariana. Nesta nova fase, Dulce e Fernando, também proprietários do bar Tubo, contam com a ajuda na cozinha de João Augusto (braço-direito de Rui Rebelo, dos restaurantes Oficina do Duque e Terraço Editorial, em Lisboa). Sazonal, respeitando o que a terra dá, a ementa vai ganhando sabores diferentes, todas as semanas, entre smoothies, tostas e bowls, exemplo da quinoa, abóbora assada, paprika fumada, tomate, avelãs, folhas verdes, mostarda, alecrim e sementes (€9,50). A pandemia não tem sido meiga com os negócios, mas Fernando, nascido e criado na vila, não desiste: “Daqui não saio, a Ericeira é um paraíso, onde a água é fria, o vento é fresco e não há poluição.”
Quem ainda não teve tempo para ir dar um mergulho no mar frio é Tommaso Mucherino que se mudou de Lisboa para a Ericeira, há dois meses e meio, trazendo consigo a geladaria Gelatommy. Já lá vão 17 anos desde que o napolitano visitou a capital pela primeira vez, para ver com os próprios olhos se era uma cidade tão bonita como lhe tinham contado. Voltou “no mês seguinte e no outro”, recorda, acabando por vir morar para Portugal um ano depois. Apaixonado “pelas ruelas e pela vida modesta” do Bairro Alto, teve uma loja de roupa. Depois, decidiu ir aprender a fazer gelado em Itália e abriu a Gelatommy, em maio de 2017, no bairro lisboeta (a loja da Rua da Rosa encontra-se encerrada temporariamente).
Feitos de forma artesanal, os gelados são confecionados apenas com produtos naturais, diz Tommaso, a quem todos chamam Tommy. Para saborear na esplanada, que funciona como ponto de encontro de amigos, há cerca de 24 sabores, dos quais dez são sorvetes, servidos em quatro tamanhos (do S €2,50 ao XL €6), em copo ou cone: tiramisu, pastel de nata, pistácio, ananás com hortelã ou limão com manjericão, por exemplo.
CERVEJA COM TINTA DE CHOCO
A partir das 17 horas, procure-se, na Rua da Ericeira, número 14, a Tap Room 5 e Meio, de portas abertas desde finais de maio. Ali, ao balcão ou na esplanada, é possível saborear as cervejas artesanais da marca, umas em garrafa (€3,50 a €4), outras à pressão (€2,50 a €4), acompanhadas por um dos melhores croquetes que já provámos (também têm outros petiscos). A 5 e Meio começou por brincadeira, em 2013, com a produção de cerveja em casa, “entre vários tiros ao lado e experiências demasiado loucas e arrojadas [com tinta de choco, tomate ou malagueta]”, conta Teófilo Oliveira. “No início, era um produto engraçado para levar aos festivais, não sentíamos a pressão das vendas. Mas o investimento obrigou-nos a fazer cerveja de forma profissional e não só de forma experimental, que era o que nos dava gozo”, continua Teófilo que deixou a área de gestão para ser master brewer da 5 e Meio.
Atualmente, são quatro sócios, todos da região Oeste, uma fábrica na Venda do Pinheiro e, agora, uma tap room. Nas oito torneiras, cabem criações mais clássicas da marca, colaborações com outros cervejeiros e demais marcas portuguesas, que vão mudando regularmente. Em caso de dúvida, o melhor é pedir a tábua de prova, com quatro cervejas à escolha (€6).
Antes do regresso a casa, não resistimos a uma paragem na esplanada da mítica discoteca Ouriço, para apreciar o Sol que vai descendo no horizonte, pintando o céu de agosto em tons de laranja. Na Ericeira, já se sabe, os finais de tarde trazem o vento fresco, mas isso resolve-se com um casaco.
LISTA DE CONTACTOS
5 e Meio Tap Room > R. da Ericeira, 14 > T. 91 053 6340 > seg-dom 17h-22h30
Restaurante Avó > R. dos Ferreiros, 6 > T. 96 802 5223 > ter-dom 18h30-24h
Gelatommy > R. 5 de Outubro, 19 > T. 96 916 4301 > seg 12h-19h30, ter-dom 12h-23h
Santa Tasca > Lg. Santa Marta, 3 > T. 96 748 4645 > seg-ter, qui-dom 12h-15h30, 18h30-24h
T3rço do Meio > Pç. dos Navegantes, Loja 16 > T. 96 467 7490 > qua-sáb 8h30-16h30, dom 8h30-14h30
Taberna Pérola > R. Dr. Eduardo Burnay, 61 > T. 261 066 400, 91 285 1809 > ter-dom 17h-24h, sáb 12h30-15h30, 19h-24h, dom 12h30-15h30
Tiki Healthy Food Cave > R. da Misericórdia, 9A > T.96 288 5600 > ter-dom 10h-19h
Ouriço Terrace > R. Capitão João Lopes, 9 > T. 91 067 1446 > seg-dom 12h-2h