Estas casas são sólidas. O interior das pessoas que as habitam é que sofre de vigamentos frágeis, chão esburacado, portas com fechos avariados, arrumação deficiente. A Samanta Schweblin, escritora com talento relojoeiro para expor, com frases curtas e elípticas, as frinchas entre relações e alçapões psicológicos, interessa a arquitetura emocional. Sete Casas Vazias é título-metafóra para a dificuldade de enfrentar a conspiração do seio familiar, de perceber as pequenas transgressões, de encontrar sentido num lugar – mesmo quando se descobre que o corpo ocupa pouquíssimo espaço. No conto Quarenta Centímetros Quadrados, uma nora vai comprar aspirinas a pedido da sogra, que, antes, desatara uma narrativa antiga: a do dia em que saíra de casa, vendera o anel de noivado e, com os 30 dólares resultantes no bolso, sentira-se subitamente incapaz de voltar a casa. Sentada num banco de metal da paragem de autocarros, quarenta centímetros ocupados, aí ficara. “Só conseguia olhar e respirar.” A nora mimetizará essa impossibilidade…
Uma avaria existencial, estar dentro do corpo adulto como se este fosse um sobretudo desajustado, atravessa as restantes seis histórias, sinalizadas na primeira frase do livro: “Perdemo-nos – diz a minha mãe.” A progenitora de Nada Disso arrasta a filha para visitas a casas de estranhos, cheias de mármores e escadarias imponentes. “Onde é que esta gente vai buscar estas coisas todas? (…) Fico tão triste que só me apetece morrer”, diz a mãe. A conspiração do viver lateja na súbita “sincronização” de uma mulher com o vizinho triste, cuja esposa deita fora a roupa do filho morto, no equívoco perigoso do homem separado com pais dementes perante a ex-mulher e o novo namorado desta quando os filhos de ambos desaparecem, ou na luta quotidiana da idosa de A Respiração Cavernosa, que espera a morte com uma lista de coisas a não esquecer no bolso… Não há epifanias, mas algo mudou no leitor quando fecha este livro.
Sete Casas Vazias (Elsinore, 126 págs., €14,99) é o quarto livro traduzido em Portugal desta autora argentina, nascida em 1978, depois de Distância de Segurança, Pássaros na Boca e Kentukis