Conta-se que, em tempos, a transferência de jogadores de futebol de um clube para outro era feita em troca de… pares de sapatilhas Sanjo. A história (verídica) testemunha a importância que teve, durante décadas, a marca nascida em 1933, numa secção ligada à borracha, na Empresa Industrial de Chapelaria, em São João da Madeira, e que até ao 25 de Abril funcionou em contexto de quase monopólio na produção de sapatilhas.
Depois de falir, em 1996, e de uma tentativa malsucedida de a ressuscitar, parece que à terceira foi de vez e a marca chega aos 90 anos, em 2023, com maior vitalidade do que nunca. Quando a empresa bracarense M2Bewear adquiriu a Sanjo em 2019, os novos donos, Egipto Magalhães e Hélder Pinto, 59 e 46 anos, tinham apenas uma certeza: “Era preciso trazê-la de volta [estava a ser produzida na China] e alicerçar toda a estratégia no made in Portugal.”

Apesar de não ter chegado a calçar sapatilhas Sanjo, o diretor criativo da marca, Vítor Costa, 37 anos – nascido numa época contaminada pelo que vinha do estrangeiro –, passa os dias a mergulhar no seu passado histórico, através de fotografias, posters e documentos antigos, à boleia da pesquisa feita pelo investigador e professor de Design, Pedro Carvalho de Almeida. “Em Portugal, não abundam as marcas com personalidade e ADN. O que me fez apaixonar pela Sanjo foi essa autenticidade que lhe está intrínseca. Olhar para a K100 (a icónica sapatilha de cano subido) e pensar que tem 90 anos, não é fácil de conseguir”, diz.
Depois de voltarem a produzir as K100 e as K200 (cano baixo) com outras cores – toda a produção é feita em regime de outsourcing na Aboutoday, em Felgueiras –, têm multiplicado os modelos de sapatilha e de bota [como as Desert Boot], com novo design e linhas geométricas, a partir da mítica sola de borracha criada na década de 30 do século passado (agora colada, usando o processo Strobel, mais amigo do ambiente).
A sustentabilidade, aliás, tem sido uma das maiores preocupações da terceira vida da marca que, ainda este ano, deverá conseguir a certificação vegan. A somar ao uso de novos materiais, a maioria portugueses, como a lona orgânica, a bombazine e o burel (a exceção é a cordura, que vem de fora), e que permitem usar a sapatilha tanto no verão como no inverno. “O nosso objetivo é tornar a marca cada vez mais sustentável, mas isto tem um custo”, admitem os sócios.
Por isso, em 2021, quando surgiu a oportunidade de alargar o negócio ao vestuário, Vítor Costa confessa ter ficado reticente. “Estamos a produzir sapatilhas e agora vamos fazer roupa?” Mas rapidamente deu a mão à palmatória. “Nos anos 30, a Sanjo foi ainda mais ousada, porque passou da cabeça para os pés”, constata.
Desde então, em cada estação, o designer criativo começa por desenhar o calçado, para depois “beber dessa coleção” para pensar a roupa, feita, com materiais 100% portugueses, em algodão orgânico. T-shirts, hoodies, casacos, camisolas, casacos e calções combinam “um imaginário histórico com uma estética retro e uma atitude moderna”, numa coleção de workwear prática e sem género.
MAIS JOVEM DO QUE NUNCA
Além dos saudosistas da Sanjo, com 50 e 60 anos – os primeiros a comprá-la desde que renasceu numa loja online –, a marca tem cativado mulheres entre os 25 e os 35 anos (representam cerca de 60% das vendas), mas quer chegar à faixa etária dos 14 aos 18 anos através da cultura urbana e da comunidade de skate para a qual tem desenhado sapatilhas (como as SK Evo) com reforço lateral a pensar na performance das manobras.

Em dezembro, a linha BSK 33, em pele natural e com um look vintage, foi a primeira coleção de aniversário a chegar ao mercado (este ano, todas as sapatilhas serão numeradas com a data 1933), inspirada nas fotos da equipa de basquetebol da Sanjoanense que o designer encontrou nos arquivos da marca. “Fizeram-me lembrar os Chicago Bulls. Também desenhei a caixa, um campo de básquete, que segue a mesma linguagem.”
Nos próximos dias, será lançada uma linha infantil (a partir do número 24), com o objetivo de “perpetuar os modelos originais nas gerações futuras”, sublinha o empresário Egipto Magalhães. Neste caso, explica Vítor Costa, há “padrões divertidos em termos de cor, com solas estruturadas que parecem um gelado”, numa linha dividida em duas coleções, uma das quais feita em parceria com a portuguesa Wolf & Rita, marca de vestuário de luxo para criança.
Em 2022, a Sanjo produziu cerca de 45 mil pares de sapatilhas. E a previsão é continuar “a crescer acima dos dois dígitos por ano”. Com duas lojas no El Corte Inglés, em Lisboa e Vila Nova de Gaia, e à venda em mais de uma centena de lojas multimarca em Portugal, a marca já chegou a outros mercados: Espanha (onde tem maior presença), Itália, França, Israel, Sérvia, Bélgica e Suécia. “Os quatro cantos do mundo são o limite”, assegura Hélder Pinto. Longa vida à Sanjo!