O chefe Nuno Mendes não o confessa, mas depreende-se do seu discurso – estava fartinho de Londres, de onde não saiu durante seis meses por culpa da pandemia. Agora que regressou a Lisboa, mal sai do Bairro Alto Hotel, onde fica o seu restaurante, o BAHR, em pleno Chiado. Ainda não foi desta que veio de vez, mas já ninguém se espanta quando diz que, depois da filha acabar a escola primária, para o ano, muda-se para a sua cidade natal.
Não nos admiramos que esteja aqui enfiado. Este edifício fica mesmo na Praça Luís de Camões, foi todo remodelado em 2019 e, cá de cima, tem-se das melhores vistas sobre a cidade ou pelo menos sobre o rio – apesar das gruas que por estes dias atrapalham a contemplação. Aliás, um dos atributos deste restaurante, no 5º andar do hotel, mas aberto a todos, é o que se pode apreciar, uma vez sentados numa das mesas do terraço (atenção, que o interior não é de desprezar). O andar de cima funciona apenas como bar, mas lá também se podem provar alguns petiscos de assinatura para acompanhar a bebida e a conversa, sempre com Lisboa como companhia.
Nuno Mendes fez história em Inglaterra, com os sucessivos projetos por onde passou. Em 2019, recebeu uma Estrela Michelin pelo trabalho desenvolvido no seu restaurante Maos. Mas agora, acumula essa vida londrina com a direção criativa do BAHR, deixando depois a execução para o também chefe lisboeta Bruno Rocha (com declarada paixão pelo Algarve). É dele, aliás, a tarte de atum à algarvia (€8,50), com uma base de massa folhada de pastel de nata. O snack charuto de algas à Bulhão Pato (€6), enrolado em massa brick, tem um iodado semelhante à amêijoa, mas serve os vegetarianos, pois a emulsão é feita com leite de soja. O passo seguinte inspira-se nas tascas portuguesas – um tártaro de maronesa, envolvido em presunto e pickles, acompanhado de uma folha de shiso frita. Tudo isto para se recriar o sabor do “pica-pau de novilho” (€12), assim mesmo, com aspas, como consta da ementa.
Aqui não há menus degustação nem receitas importadas de Londres. “A oferta é cada vez mais portuguesa. Sendo lisboeta, quis ir buscar as minhas memórias, aproveitar o luxo de aqui estar, o luxo dos produtos que não encontro em Londres”, justifica Nuno Mendes. E logo traz para a mesa um salmonete de Peniche (€17) em banho de cítricos e azeite e percebe-se bem do que fala, quando abusa da expressão “luxo”. No prato, há ainda um escabeche de cerejas e amoras que caíria que nem ginjas se os frutos não fossem outros.
De seguida, servem-nos um tamboril, “um peixe que a gente adora”, cozinhado muito devagarinho em manteiga Rainha do Pico. Para brincar com a ideia de migas, o chefe preparou uma tosta de fígados com um caldo de cabeças, espinhas, laranja e funcho, inspirado nas caldeiradas. Uma delícia.
Além destas novidades, a carta mantém os pratos que já se podem chamar de clássicos, apesar da pouca história que o restaurante tem, como a tosta de percebes fumados, as lulas com puré de grelos e feijão verde ou o arroz de carabineiros. No capítulo das sobremesas, as farófias representam a única ligação ao passado. No presente, o chefe gosta de destacar a sua mais inusitada criação – mousse de chocolate, gelado de vinagre e batata-doce frita (€8). Se à primeira garfada, parece uma ligação estapafúrdia, depois de ouvirmos a explicação do chefe, entende-se a confusão de sabores: “Quando passamos uma noite a cozinhar num restaurante, vamos provando os pratos, mas nem jantamos. Quando saímos, lá para as duas da manhã, dá-nos a fome e comemos de tudo, seja doce ou salgado. É esta misturada que a sobremesa representa.”
Para saciar o desejo de doces, há mais oferta na pastelaria do andar de baixo, cuja porta dá para a Rua do Alecrim. Mas atenção que esse balcão só funciona até ao final do dia e serve bolos bem diferentes das outras casas da cidade. Nada como experimentar, pois com Nuno Mendes nunca nada é “mais do mesmo”.
BAHR > Bairro Alto Hotel > Pç. Luís de Camões, 2, 5º andar, Lisboa > T. 21 340 82 53 > seg-dom 19h30-23h30 (só jantar)