Quase 80% do desenvolvimento do cérebro acontece durante os três primeiros anos de vida. Os cerca de 85 mil milhões de neurónios reproduzem-se até à segunda metade da gestação e algumas vias já estão maduras quando nascemos. Com a memória é diferente: “A capacidade de reter conceitos só acontece por volta dos quatro anos”, o que explica a amnésia infantil.
“O crescimento cerebral deve-se sobretudo às ligações entre as células neuronais e a proliferação das células da glia, que atinge um pico entre os quatro e os seis anos de idade”. A partir daí, os contactos entre neurónios decaem. Trata-se de um fenómeno que é designado por poda sináptica, ou seja, vão-se perdendo circuitos que deixam de ser necessários no processo de interação com as pessoas próximas e o espaço à volta.
Consciência de si: não há mente sem corpo
O médico que coordena o Centro de Epilepsia Refratária do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental e do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central esclarece que o orgão formado por substância cinzenta (corpos celulares dos neurónios) e substância branca (mielina) precisa de oxigénio e glucose para se alimentar, mas também de informação do corpo, o que o distingue de um computador, que não tem um sentido de si: “Somos os donos da compreensão do que se passa dentro e fora de nós porque existe um corpo que precisa de cuidados e de orientação do que fazemos e sentimos.”
Aqui entra a importância das narrativas, das histórias, que ajudam a reter informação e a filtrar o que é importante, já que a memória de trabalho é limitada e efémera, sendo necessário conter o fluxo de informação que se recebe a todo o momento.
A importância de esquecer e a idade dos medos
As crianças aprendem facilmente por terem um cérebro imaturo: “Dedicam-se a perceber a ligação entre conceitos sem atribuírem logo um significado às coisas; é assim que adquirem as regras da linguagem, sem muita ligação ao real.”
A genética importa tanto como a qualidade das interações, razão pela qual uns são mais especializados numas áreas do que noutras (leitura, cálculo, música ou linguagem). Vê-se o que pode acontecer, por exemplo, na dislexia. Pedro Cabral observa que “para aprender é preciso esquecer” e salienta que “toda a aprendizagem é, também, uma identificação com quem transmite conhecimento. As crianças são muito hábeis a ler as emoções dos adultos, aquilo que eles valorizam e os exemplos que dão.”
Os valores e os afetos são cruciais para o desenvolvimento cognitivo e emocional e, ainda, para minimizar o impacto de experiências de sofrimento, como sucede nos medos infantis, comuns entre os oito e os 10 anos, “quando nos damos conta de que não somos eternos”. A criança pede para dormir com os pais, por exemplo, por ter medo do que possa estar debaixo da cama. Ir ao quarto ver se lá está alguém, espreitando, ou dizer só que não há lá nada faz toda a diferença. As crianças beneficiam da presença regular e firme dos adultos para se sentirem mental e emocionalmente seguras. Este princípio é válido, também, para o uso das tecnologias. “Deixá-las sozinhas diante de ecrãs é o pior dos serviços que estamos a prestar a uma geração inteira.”
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