Um estudo recente, publicado na revista científica Science, vem, mais uma vez, desconstruir a “regra dos 8 copos de água”, um conselho que, não sendo oficial, é dado por muitos especialistas. Esta regra, que é também uma forma de as pessoas que não bebem muita água terem um número de referência, defende que o ideal é a ingestão de 8 copos de água por dia, o equivalente a cerca de 2 litros de água.
“A recomendação atual não tem nenhum suporte científico”, afirma, citado pelo The Guardian, Yosuke Yamada, do Instituto Nacional de Inovação Biomédica, Saúde e Nutrição do Japão, e um dos principais autores da nova investigação, acrescentando que “a maioria dos cientistas não tem a certeza de onde veio essa recomendação”.
A obsessão com o “8 x 8” já tinha levado o investigador norte-americano Aaron E. Caroll a desmistificar a sugestão, num estudo publicado no British Medical Journal há cerca de 15 anos.
Neste novo estudo, a equipa percebeu que, para a maioria das pessoas, ingerir oito copos de água por dia pode ser “excessivo” e que muitas necessitam de cerca de 1,5 a 1,8 litros por dia, menos do que os dois litros normalmente recomendados, afirmam os investigadores.
Os investigadores avaliaram a ingestão de água de mais de 5500 pessoas de mais de 20 países, com idades entre os oito dias e os 96 anos. Alguns dos voluntários ingeriram copos de água em que alguns dos átomos de hidrogénio foram substituídos por deutério, um dos isótopos estáveis do hidrogénio, encontrado naturalmente no corpo humano e, portanto, inofensivo. A taxa de eliminação do deutério extra é reveladora da rapidez com que a água é transformada no corpo (entrada e saída total de água).
A equipa descobriu que esta taxa varia muito tendo em conta fatores como a idade, o sexo, os níveis de atividade física e o ambiente da pessoa. Utilizando a técnica da marcação isotópica, os investigadores conseguiram tirar várias conclusões: os voluntários que vivem em climas quentes e húmidos e a grandes altitudes, mas também atletas e mulheres grávidas ou que estavam a amamentar, revelaram valores mais altos, o que significa que precisam de beber mais água em relação aos restantes.
Relativamente ao gasto energético, que é o maior fator de renovação hídrica, os valores mais altos foram observados nos homens ente os 20 e os 35 anos, com uma média de 4,2 litros por dia. Já na faixa dos homens com 90 anos, a média baixa para 2,5 litros por dia. No grupo das mulheres entre os 20 e os 40 anos , verificou-se uma taxa de renovação média de 3,3 litros, que desceu para os 2,5 litros aos 90 anos. Além disso, verificou-se que os atletas transformam cerca de um litro a mais de água do que os não atletas e os recém-nascidos substituem cerca de 28% da água dos seus corpos todos os dias.
John Speakman, biólogo e professor da Universidade de Aberdeen, na Escócia, e um dos autores do estudo, explica que o estudo “mostra que a sugestão comum de que todos devemos beber oito copos de água, ou cerca de dois litros por dia, é, provavelmente, excessiva para a maioria das pessoas na maioria das situações”, acrescentando que é importante “ouvir” o que o corpo “pede”.
Isto não é uma ciência exata
De acordo com as sugestões do Instituto de Hidratação e Saúde português, desde os 2 e 3 anos até aos adolescentes e adultos o ideal é que a ingestão de água proveniente de bebidas seja entre 1 litro e 1,9 litros por dia, valores de referência para pessoas saudáveis mas que podem depender de vários fatores como problemas de saúde e nível de atividade física, por exemplo.
O nosso corpo perde água todos os dias – entre 10 a 12 copos de água – através da respiração, transpiração, urina e fezes, e para que funcione adequadamente temos de compensar essa perda de água com bebidas e alimentos que contenham, eles próprios, água (cerca de 20% da ingestão diária de líquidos geralmente vem de alimentos e o restante de bebidas).
Yamada acredita que muitos estudos anteriores não tiveram em consideração precisamente a quantidade de água ingerida a partir dos alimentos, que é fundamental, daí a ideia da necessidade de 8 copos por dia ter continuado a crescer. “Se comer apenas pão, bacon e ovos, não obterá muita água a partir dos alimentos, mas se ingerir carne, legumes, peixe, massa e arroz, poderá obter cerca de 50% das suas necessidades de água a partir da alimentação”, acredita o autor do estudo.
Mas esta compensação de água não é igual para toda a gente e, para algumas pessoas, menos de oito copos por dia podem ser suficientes; já para outras, a quantidade ideal de ingestão de água por dia deve ser superior. É importante avaliar-se fatores individuais de cada pessoa, como a existência de doenças, o nível de exercício físico realizado, o ambiente, a saúde no geral e a gravidez ou amamentação.
E há alguns indicadores que podem informá-lo sobre se está a ingerir a quantidade suficiente de água por dia: a Associação Portuguesa de Medicina Preventiva afirma que um bom truque para saber se estamos a beber suficientemente água é verificar que a suficiente para manter a sua urina clara. Se raramente sente sede, também pode significar que está mais hidratado, mas a ajuda de um especialista é essencial para analisar de forma mais adequada que quantidade de água deve ingerir diariamente.