Na década de 1920, uma doença desconhecida, espalhou-se pelo mundo. Uma forma atípica de encefalite afetou entre quatro a cinco milhões de pessoas, sobretudo na Europa e América do Norte, tendo levado à morte de um milhão de doentes. As causas permanecem, ainda hoje, desconhecidas sendo que o sintoma mais comum e visível era a extrema sonolência que deixavam as pessoas num estado letárgico. Catatónicas, estátuas vivas, congeladas ou vulcões extintos foram algumas das palavras que se usaram para descrever esta misteriosa epidemia que deixou milhões de pessoas sem comunicar ou mover-se de maneira independente durante décadas.
O que se sabia é que afetava o cérebro. A pessoa começava por ter alguns sintomas que se assemelhavam a outras doenças, como febre, náuseas ou dores de cabeça, até ficar letárgica, parada no tempo e sem controle sobre o seu corpo, tendo alguns reflexos ou tiques e variados graus de consciência.
O conjunto de sintomas já tinha sido descrito antes, inclusive por Hipócrates, o grande médico da Grécia Antiga, considerado o “pai da medicina”, que batizou o fenómeno de “lethargus”. “Febre, tremor, forte fraqueza física com a preservação da inteligência, que afeta indivíduos com mais de 25 anos, sobretudo quando está frio, e que pode levar à morte por pneumonia terminal.”
Mas só em 1917, em pela I Guerra Mundial, quando a neurologia despertou entre a comunidade médica, é que foi cunhada de encefalite letárgica ou doença do sono.
No livro “Asleep: The Forgotten Epidemic that Remains One of Medicine’s Greatest Mysteries” (Penguin Group, 2010), Molly Caldwell Crosby descreve como foi difícil encontrar material para escrever a prosa e relatar o que aconteceu.
Sabe-se que, apesar dos registos antigos, só em 1917 dois médicos, simultaneamente, publicaram artigos identificando a mesma doença. Em Paris, França, o patologista e pediatra Jean René Cruchet descreveu 64 casos. O conjunto de sintomas dos homens, soldados na guerra, variava e “não fazia sentido”, dizia, não havia um standard. “Alguns doentes tinham febre, outros não. A maioria queixava-se de dor de cabeça e náuseas.” Em geral, os pacientes tinham perda de controle sobre os movimentos, mas todos dormiam muito. “O que era assustador, nestes homens, é que eles não acordavam”, descrevia Cruchet, citado no livro de Crosby.
No início da doença, os sintomas podiam ser os de várias outras patologias, mas à medida que progredia, não existia paralelo com nenhuma outra. “Eles não estavam comatosos; estavam simplesmente a dormir”. Pensou-se que poderia ser algum trauma físico ou psicológico da guerra nas trincheiras.
Jean René Cruchet narrou o que viu, mas o que ele não sabia é que no outro lado da guerra havia um outro médico que estava a testemunhar o mesmo. Em Viena, na Áustria, o neurologista Constantin von Economo encontrou a doença em mais de uma dúzia de pacientes civis “sem histórico de doenças mentais, sem traumas físicos e sem sinais de infeção”. von Economo observou que os doentes “reviravam os olhos”, mas havia algo mais estranho do que isso. Alguns tinham tiques “estranhos”, como pestanejar muitas vezes ou dizer a mesma palavra ou frase vezes sem conta. Também havia sinais de esquizofrenia, quem salivasse de forma incontrolável ou permanecesse num estado catatótico, como se estivesse congelado. Comum a todos era a “extrema sonolência”.
Neste vídeo é mostrado como os doentes ficavam:
Os dois estudos foram publicados apenas com dias de diferença. Em Viena, a doença passou a ser conhecida como a “encefalite von Economo; em França teve o nome de Cruchet. Para o mundo, arranjou-se um nome menos controverso e que significa um “inchaço no cérebro/dilatação no cérebro que faz alguém dormir”, ou seja, encefalite letárgica.
A doença foi abafada pela Gripe Espanhola ou Gripe de 1918, uma pandemia que matou milhões de pessoas em todo o mundo, mas não desapareceu.
Muitos dos doentes ficaram como que congelados no tempo. Em 1966, em Nova York, o neurologista americano Oliver Sacks, encontrou dezenas de doentes com encefalite letárgica no hospital Beth Abraham. Estavam institucionalizadas há anos, paradas no tempo. O médico experimentou usar Levodopa – um novo medicamento que usado para tratar pessoas com Parkinson. O médico pensava que a esta “doença do sono” poderia ser uma forma extrema de Parkinson.
Os resultados foram imediatos e dramáticos como o próprio Sack descreveu à BBC, na altura. “Vulcões extintos entraram em erupção para a vida depois de terem sido considerados, e se consideraram, efetivamente mortos”.
A euforia não se prolongou muito. O levodopa começou a perder efeito. E, depois de algumas semanas, em alguns casos, a medicação deixou mesmo de funcionar, levando ao agravar do estado de saúde os pacientes. Mas serviu para uma coisa: falar com eles para tentar saber mais sobre a doença.
Três anos mais tarde, em 1969, Oliver Sacks fez outra experiência depois de observar que havia sinais de consciência nos pacientes sempre que um assistente hospitalar tocava piano.
Foi, então, usada a musicoterapia como forma de reabilitação.
“O que ele viu é que, quando tocava uma música, algumas pessoas levantavam-se e dançavam. Havia algo na música que penetrava e estimulava o sistema motor delas a ponto de entrarem em ação… Era incrível: não conseguia entender como era possível”, lembra, à BBC, a médica Concetta Tomaino, diretora e co-fundadora do Instituto de Música e Função Neurológica de Nova York e parceira de Sacks nesta terapia.

Muitos tinham contraído a doença na infância e despertaram como adultos de meia-idade num mundo completamente diferente. O medicamento Levodopa saiu de cena, mas a música foi sendo utilizada como terapia.
Oliver Sacks, que faleceu em 2015, publicou vários livros, incluindo um chamado “Awakenings” (“Despertares”) – que deu origem ao filme como o mesmo nome protagonizado por Robert De Niro e Robin Williams – como forma de sinalizar que sim, aquela doença e epidemia existiram.
A doença desapareceu dos holofotes repentinamente, não sendo conhecida, até hoje, a causa e o tratamento.