Já existem 23 casos confirmados de ” infeção humana por vírus Monkeypox” em Portugal, informa a Direção Geral da Saúde (DGS). E ainda se aguarda a confirmação de mais casos suspeitos. “Os indivíduos que apresentem lesões ulcerativas, erupção cutânea, gânglios palpáveis, eventualmente acompanhados de febre, arrepios, dores de cabeça, dores musculares e cansaço, devem procurar aconselhamento clínico”, recomenda a DGS.
“Reforçam-se as medidas a implementar perante sintomas suspeitos, devendo os indivíduos abster-se de contacto físico direto com outras pessoas e de partilhar vestuário, toalhas, lençóis e objetos pessoais enquanto estiverem presentes as lesões cutâneas, em qualquer estadio, ou outros sintomas”, continua a autoridade da saúde.
Muito se tem escrito sobre este vírus, começando pelo “disparate” de que esta pode ser uma doença que circula sobretudo na comunidade homossexual. Mas há outros equívocos. E o maior deles talvez seja o próprio nome que temos dado à doença.
O vírus Monkeypox é um parente da varíola, mas não é varíola. A varíola, uma doença assustadora por ter uma mortalidade elevadíssima – cerca de 30% -, sobretudo em bebés, foi declarada erradicada pela Organização Mundial da Saúde em 1980. O último caso diagnosticado data de 1978.
Mas, durante 3 mil anos, a História está cheia de surtos de varíola que, na Inglaterra de séculos passados, dizimava um terço das crianças. Só na Europa estima-se que morriam 400 mil pessoas por ano antes do século XX. E mesmo já no século passado, em todo o mundo, a varíola terá matado 300 milhões de pessoas.
A primeira vacina
Curiosamente é a varíola a responsável pela invenção das vacinas. Em 1796, ainda o mundo nem sonhava sobre a existência dos vírus, o médico rural inglês Edward Jenner percebeu que as mulheres que ordenhavam as vacas não contraíam varíola como a restante população – ou então até podiam vir a sofrer da doença, mas de uma forma incomparavelmente mais ligeira quando os outros sobreviventes ficavam com sequelas para a vida (incluindo uma grande incidência de cegueira).

Jenner associou a imunidade das ordenhadeiras à varíola bovina (causada pelo vírus vaccinia). De uma das lesões de uma dessas mulheres, retirou uma amostra que inoculou numa criança de 8 anos, o filho do seu jardineiro. Esperou seis semanas e então inoculou o vírus da varíola propriamente dita no braço do rapaz. E a criança nunca desenvolveu a doença.
Demorou bastante até a vacina estar disponível à generalidade da população. Em 1812, a Instituição Vacínica na Academia Real das Ciências de Lisboa, vacinou, em cinco anos, cerca de 20 mil pessoas. E, em 1894, a legislação portuguesa já obrigava à vacinação antivaríolica. Nestes finais do século XIX, Louis Pasteur foi o primeiro a usar um processo científico para criar uma vacina, neste caso contra a raiva.
Em 1959, a OMS inicia uma campanha mundial para a erradicação da varíola, o que é conseguido em 1980. Com a erradicação da doença, a vacina contra a varíola deixou de ser administrada. E talvez seja este o ponto. A vacina contra a varíola conferia uma proteção de 85% contra este parente, o vírus Monkeypox.
Seja como for, o Monkeypox é de muito mais difícil transmissão do que a varíola e a mortalidade não é sequer comparável. O erro está na tradução, explica Margarida Tavares, diretora do Programa Nacional para as Infeções Sexualmente Transmissíveis e VIH. “O termo ‘pox’ é referente a erupção da pele ou mucosas – que podem assumir diferentes estádios (como vesículas ou pústulas…) – e que também existem associadas a outras infeções víricas que não a varíola (em inglês Smallpox), como a ‘chickenpox’, que é a varicela, por exemplo”.
E vem dos macacos?
Ora, esclarecida que está a questão da varíola, vamos ao termo “monkey” (macaco). “O vírus Monkeypox foi primeiramente isolado numa colónia de macacos nos anos 50, daí a sua designação científica do inglês ‘monkey'”, continua Margarida Tavares.
“O vírus foi desde então já isolado em outros animais e mesmo em humanos, não sendo sequer o macaco o seu reservatório, mas sim um hospedeiro acidental, tal como o ser humano”, esclarece a especialista. “Por se tratar de uma nomenclatura científica universal, a designação Monkeypox não deve ser traduzida para português (cuja tradução literal seria qualquer coisa como “exantema dos macacos” e não “varíola dos macacos”)”.
Mas há outro aspecto a ter em conta. “Acresce que além de ser inexata, a designação de ‘varíola dos macacos’ pode ser estigmatizante para as pessoas afetadas pelo síndrome clínico”, nota Margarida Tavares. Como a “doença das vacas loucas” ou ser infetado por aquele novo “vírus da China” que acabou por ser o nosso agora tão conhecido SARS-CoV-2.
Temos mesmo necessidade de simplificar de forma tão extrema os nomes das doenças ao ponto de se tornarem enganadores? Ou não será isso contraproducente numa altura em que a informação correta é uma das melhoras armas da prevenção?