Uma investigação conduzida pelo Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças (ECDC, na sigla inglesa) faz uma associação entre a hepatite aguda atípica em crianças que está a intrigar a comunidade científica e médica e um tipo específico de adenovírus, o 41F, que pertence a uma família de vírus comuns que causa habitualmente infeções respiratórias ligeiras, vómitos e diarreia. O micro-organismo foi identificado na maioria dos casos suspeitos analisados: 72% no Reino Unido, que reúne a maior percentagem de afetados; mais de 50% nos Estados Unidos; e mais de 60% no resto da Europa. Mas a evolução das patologias pouco graves provocadas pelo adenovírus para uma hepatite aguda, com um alto nível de enzimas hepáticas que pode conduzir a uma falência do fígado, ainda está a ser estudada, acreditando-se que possa ter a ajuda de outras causas. Nomeadamente, da Covid-19, segundo estudo publicado na revista científica The Lancet Gastroenterology & Hepatology.
Conduzido por investigadores do Imperial College de Londres, no Reino Unido, e do Centro Médico Cedars Sinai, nos Estados Unidos, o estudo reforça a possibilidade de o SARS-CoV-2 ter efeitos prolongados no organismo que propiciam a inflamação exacerbada quando as crianças são infetadas pelo adenovírus. Como é explicado na The Lancet, o coronavírus forma reservatórios que persistem no trato gastrointestinal durante algum tempo após a infeção e podem levar à libertação repetida de proteínas virais que ativam células imunes. Então, quando infetadas pelo adenovírus, que é relativamente comum, as crianças pequenas podem apresentar anormalidades imunológicas, como a tal resposta inflamatória exagerada de órgãos como o fígado, resultando em insuficiência hepática. É possível que as crianças afetadas, muitas das quais são muito jovens para serem vacinadas, possam ter tido infeções leves ou assintomáticas por Covid-19 que passaram despercebidas.
Porque é tão misteriosa esta hepatite aguda infantil?
Acontece que os vírus comuns que costumam provocar hepatite viral aguda – hepatite A, B e C e, mais invulgarmente, D e E – não foram detetados nos casos até à data reportados em todo o mundo. Para descobrir a sua etiologia (causa e origem), o ECDC e a Organização Mundial de Saúde (OMS) criaram um grupo de crise, que ainda está a desenvolver investigações. Segundo dados divulgados a 10 de maio, já foram registados 348 casos, sendo que a maioria estava concentrada no Reino Unido (cerca de 160) e nos Estados Unidos (cerca de 110), ocorridos em crianças menores de cinco anos. Um estudo feito neste último país indicava que mais de 90% das crianças tinham sido hospitalizadas, 14% tiveram de ser sujeitas a um transplante de fígado e cinco mortes estavam sob investigação.
A onda de casos incomuns foi identificada pela primeira vez no Reino Unido, a 5 de abril, que a comunicou às autoridades de saúde europeias. A 15 de abril, a OMS fez o alerta do surto. Contudo, a ECDC recomendou que os estudos desenvolvidos para descobrir a causa desta hepatite aguda remontassem a outubro de 2021. Em Portugal, os últimos dados fornecidos pela Direção-geral de Saúde (DGS) apontavam para seis casos suspeitos, em crianças entre os sete meses e os oito anos, todas sem complicações graves e já com alta hospitalar.
A DGS constituiu uma task force, em articulação com o Programa Nacional para as Hepatites Virais e com a Sociedade Portuguesa de Pediatria, para fazer “o acompanhamento e atualização da situação internacional, a avaliação de risco a nível nacional e a elaboração de orientações técnicas para a deteção precoce de eventuais casos que venham a ser identificados no país”. A autoridade de saúde recomenda medidas de precaução como a higiene das mãos e a etiqueta respiratória. Os pais devem estar atentos a sintomas como diarreia, vómitos, dor abdominal e icterícia (olhos e pele amarelos). Em caso de preocupação, devem consultar o seu médico de família.