O cancro do ovário é o cancro ginecológico mais mortal, apesar de não ser o mais comum. Por não existir um método de rastreio validado e os sintomas serem frequentemente tardios, cerca de 70% a 80% das doentes são diagnosticadas em estadios avançados, o que faz com que o cenário de sobrevivência não seja positivo. “Há neste momento novos tratamentos que melhoram o prognóstico das doentes, mas na era pré-terapêuticas inovadoras, apenas cerca de 50% das doentes com cancro do ovário estão vivas aos 5 anos”, explica à VISÃO Cristiana Marques, Oncologista no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho.
Depois de ser realizada uma cirurgia, as doentes fazem, na maior parte das vezes, tratamentos de quimioterapia, em qualquer ponto da doença, para controlar a doença e prolongar a sobrevivência. “Nos estadios mais avançados, após a quimioterapia, incluem-se tratamentos de manutenção, com antiangiogénicos ou inibidores da PARP [já lá vamos]. Estes fármacos, sobretudo os inibidores da PARP, vieram melhorar o prognóstico e dar uma esperança às doentes que têm cancro do ovário”, afirma a oncologista, acrescentando que “os primeiros estudos mostraram o benefício dos antiangiogénicos e investigações mais recentes demonstraram o benefício dos inibidores da PARP”.
Até há pouco tempo, Portugal era um dos poucos países da Europa que não tinha uma alternativa de tratamento de manutenção em primeira linha
Os inibidores da PARP são fármacos utilizados para tratar diferentes cancros, como o de ovário e da mama. Já os antiangiogénicos são um grupo de medicamentos que desaceleram o crescimento de um tumor, impedindo a formação de novos vasos sanguíneos que alimentam o cancro e que permitem que cresça. “Quanto maior for o tempo livre de quimioterapia, melhor é a qualidade de vida do doente, porque estes tratamentos são melhor tolerados do que a quimioterapia”, esclarece Cristiana Marques.
Até há pouco tempo, Portugal era um dos poucos países da Europa que não tinha uma alternativa de tratamento de manutenção em primeira linha – o que se faz após a quimioterapia para manter e prolongar a eficácia do tratamento – para o cancro do ovário, financiada e disponível no Serviço Nacional de Saúde (SNS), também porque o Infarmed não considerava este cancro uma doença rara.
Neste momento, já existe essa opção para doentes de cancro do ovário com mutação (sBRCA ou gBRCA), que podem ter acesso a ela através de um programa de acesso precoce a medicamentos. Contudo, o SNS não disponibiliza o tratamento gratuitamente às doentes com este cancro sem a presença de mutação. Ou seja, nestes casos, apenas quem tem capacidade financeira pode ter acesso ao tratamento nos hospitais privados.
“Em Portugal, infelizmente, existe uma limitação relativamente ao acesso a outros tipos de tratamentos e medicamentos pela ausência de comparticipação pelo SNS”, afirma Cláudia Fraga, presidente do Movimento Cancro do Ovário e outros Cancros Ginecológicos (MOG), criado em dezembro de 2019. “Todas as doentes com todos os tipos de cancro do ovário deviam ter disponível uma alternativa de tratamento de manutenção de primeira linha, porque uma recidiva sai muito mais caro, a todos os níveis, e pode mesmo custar a vida”, acrescenta.
Desde janeiro que algumas doentes de cancro do ovário com mutação sBRCA ou gBRCA já têm acesso a um tratamento de manutenção em primeira linha. “Em relação aos inibidores da PARP, o benefício é mais expressivo nas doentes que têm mutação BRCA, mas não são apenas estas que beneficiam deste tratamento inovador. O tratamento de manutenção traz benefícios para todas as doentes, nomeadamente em sobrevivência e qualidade de vida”, garante ainda Cristiana Marques.
A iniquidade no acesso ao tratamento deste tipo de cancro é uma das lutas que a MOG pretende travar. “É fundamental que exista investimento ao nível do SNS para que o acesso a diferentes tipos de tratamento se torne universal. Ter doentes informadas e que possam questionar sobre outros tipos de tratamento poderia trazer a público uma maior consciencialização das desigualdades que se verificam”, defende Cláudia Fraga. E acrescenta. “Temos que ter oportunidade de entrar nos ensaios clínicos, que vão existindo, porque se um medicamento conseguir melhorar a qualidade de vida de uma doente, já valeu a pena”.
De acordo com um documento do IPO de Lisboa sobre o teste genético BRCA 1/2, na população geral, o risco de uma mulher ter cancro do ovário é cerca de 1 em cada 100 (1,3%). Aos 80 anos, o risco de desenvolver cancro do ovário é 40 vezes superior (44-49%) para as portadoras de variantes BRCA1 e cerca de 15 a 20 vezes superior (17-21%) para as portadoras de variantes BRCA2. Não existe um registo nacional do número de casos de cancro do ovário por ano, mas a estimativa é que tenham sido diagnosticados cerca de 560 novos casos em 2020.