CONCORDA COM A VACINAÇÃO DE CRIANÇAS ENTRE OS 5 E OS 11 ANOS?
Heloísa Santos, Médica geneticista e pediatra
Concordo totalmente.Tal como já defendi a grande beneficência da realização da vacinação dos 12 aos 16 anos, hoje comprovada em Portugal pelo menor número de infeções (incluindo em atividades escolares) e ausência dos efeitos secundários graves ou persistentes tão enfatizados. Mas também pela reintegração destes adolescentes na restante família ao poderem apresentar, com dignidade e satisfação, o certificado de vacinação para viajarem e frequentarem atividades sociais que doutro modo lhes continuariam vedadas. O bem-estar psicológico, tão afetado em todas as idades pela pandemia, também tem enorme importância na saúde atual e para toda a vida destes jovens.
Miguel Castanho, Bioquímico e investigador do Instituto de Medicina Molecular
Não existem dados que permitam aferir da utilidade das vacinas para as próprias crianças. E a regra, nestas condições, no mundo do desenvolvimento de fármacos, é que não se avança até demonstração da mais-valia para os próprios, neste caso as crianças. Poderíamos aguardar por mais dados, até porque não há uma emergência nesta faixa etária. Trata-se de uma questão de não estar suficientemente demonstrado que a vacinação venha fazer a diferença em termos de efeito. Não está em causa a segurança.
Hugo Rodrigues, Pediatra
Neste momento existe a recomendação formal da DGS, pelo que me parece sensato seguir essa recomendação e proceder à vacinação.
Paulo Oom, Pediatra
Temos de considerar dois aspetos: o primeiro diz respeito à própria vacina e o outro à melhor estratégia para prevenir a doença.
Em relação à vacina, os estudos mostram que, também neste grupo etário, se trata de uma vacina segura, com poucos efeitos secundários e raros efeitos secundários graves. Ao mesmo tempo, a vacina é eficaz ao reduzir a possibilidade de doença neste grupo etário, ao reduzir o risco de complicações e ao tornar as crianças vacinadas menos capazes de transmitir o vírus a outras crianças e aos adultos.
Em relação à estratégia vacinal nunca nos podemos esquecer que a prioridade deve ser sempre vacinar os grupos de maior risco, nestes casos os adultos e principalmente os idosos. Apenas faz sentido pensar em vacinar as crianças se a cobertura vacinal dos adultos for elevada, como acontece em Portugal.
Manuel Magalhães, Pediatra
Sim. A vacinação é a estratégia preventiva de maior impacto neste cenário atual de pandemia. Aliás, esta posição está em linha com múltiplos dados concretos sobre a vacina contra a Covid-19 publicados em estudos científicos e pelas autoridades de saúde competentes, nomeadamente: existe segurança e eficácia da vacina comprovada nestas idades; existe experiência e dados de vida real (após vacinação de cinco milhões de crianças dos 5 aos 11 anos nos EUA) que validam e reforçam a segurança da vacina nestas idades; até à data, não existem efeitos secundários graves reportados com a vacinação nestas idades; a vacina protege contra doença grave por SARS-CoV-2; a vacina protege contra a infeção por SARS-CoV-2; a vacina diminui a transmissão do SARS-CoV-2 na população e nas famílias; a vacina diminui o tempo de carga viral presente nos infetados.
QUAIS SÃO OS GRANDES BENEFÍCIOS, UMA VEZ QUE A COVID-19 EM CRIANÇAS É, REGRA GERAL, BENIGNA?
Heloísa Santos, Médica geneticista e pediatra
Já foi afirmado à exaustão que, estatisticamente, nem sempre esta infeção é benigna do ponto de vista da infeção, não sendo sempre assintomática ou mesmo benigna. Pode levar, inclusive, aos cuidados intensivos ou mesmo à morte, e sabemos que as crianças vacinadas têm menos possibilidades de ser contagiadas e terem formas graves da doença. Também sabemos, cientificamente, que é bastante eficaz e segura.
É neste nicho da população, com maior número de contágios por não vacinação, que o vírus pode mais facilmente sofrer mutações por aumento do número de replicações. Não é por acaso que as variantes patológicas têm aparecido com maior frequência em populações menos vacinadas! E alguma variante nova que surja pode ser mais agressiva na rapidez de contágio ou na severidade da doença.
E, também, para, reduzindo a possibilidade de ter e transmitir a infeção aos familiares, se diminuírem surtos prejudiciais na família e, principalmente, na escola, onde confinamentos repetidos em crianças pequenas não só irão conduzir a problemas de aprendizagem, como a sérios problemas psicológicos que, mais uma vez, não sabemos se serão transitórios.
Miguel Castanho, Bioquímico e investigador do Instituto de Medicina Molecular
Essa é, precisamente, a questão que ainda não tem resposta bem definida. Os dados disponíveis, até ao momento, não são muitos, nem muito robustos.
Hugo Rodrigues, Pediatra
A vacina previne a doença grave pelo SARS-CoV-2, pelo que esse é o grande benefício. Para além disso, parece diminuir também a transmissibilidade do vírus, diminuindo a contagiosidade.
Paulo Oom, Pediatra
De facto, a Covid-19 neste grupo etário é geralmente uma doença benigna. No entanto, em casos raros a doença pode ser grave levando ao aparecimento de complicações e ao internamento em cuidados intensivos. E a maioria das crianças internadas em cuidados intensivos foram crianças previamente saudáveis, sem outras doenças.
Por outro lado, além dos benefícios diretos da vacina no que respeita à proteção da criança e da comunidade, a vacinação pode ter um papel importante na vida social e educativa da criança, ao permitir, com uma mudança dos critérios de isolamento profilático, uma menor disrupção da vida social e educativa da criança.
Por fim, a incidência de Covid-19 neste grupo etário tem vindo a aumentar, bem como o número de internamentos. A nova variante Ómicron parece afetar as crianças mais facilmente que as variantes anteriores. E estando a maioria da população adulta já vacinada, daqui resulta que as crianças estão a tornar-se nos principais transmissores da doença na comunidade. Os dados mostram que vacinar as crianças vai contribuir para uma menor disseminação do vírus na comunidade, se bem que a duração e magnitude desse efeito não esteja ainda bem estabelecida. Este efeito será maior nos países com uma maior cobertura vacinal da população adulta, como acontece em Portugal.
Manuel Magalhães, Pediatra
Na verdade, a Covid-19 em crianças nunca é totalmente benigna. Desde já, pelo impacto “maligno” que tem na saúde mental das crianças (com Covid-19 ou sem Covid-19), situação que levou a Academia Americana de Pediatria e a Academia Americana de Psiquiatria da Criança e do Adolescente a declarar Emergência Nacional para a saúde mental desde outubro/2021. Ansiedade, isolamento social, dificuldades cognitivas e académicas são situações que se vêem diariamente nestas crianças também em Portugal.
No entanto, importa referir que, em Portugal, durante esta pandemia já existiram 30 crianças entre os 5-11 anos que tiveram que ser internadas em unidades de cuidados intensivos devido à infeção por SARS-CoV-2, com atingimento multiorgânico. A mim, pessoalmente, parece-me um número bastante elevado. Estamos a falar de crianças gravemente doentes que necessitaram de cuidados clínicos diferenciados.
De igual forma, importa esclarecer sobre as consequências do Síndrome Pós-Covid, Covid Longo ou Covid Prolongado. Os estudos mais recentes indicam que mais de 30% das crianças/adolescentes que ficam infetadas por SARS-CoV-2 podem ficar com sintomas a longo prazo, nomeadamente, falta de ar, intolerância ao exercício físico, insónias, dificuldades de concentração ou dores musculares. De forma preocupante, estes sintomas surgem também em quase 30% das crianças/adolescentes que não tiveram qualquer sintoma durante a positividade para o SARS-CoV-2. Em Portugal, dados preliminares regionais em idades pediátricas identificaram 20% de sintomatologia a longo prazo após infeção por SARS-CoV-2.
Por fim, não podemos esquecer o impacto académico, social e económico na vida destas crianças e das suas famílias. É mais de um ano e meio de aulas interrompidas, vida social adiada e empregos comprometidos.
Assim sendo, os principais benefícios dizem respeito à proteção direta contra o coronavírus, nomeadamente, a prevenção de infeção por SARS-CoV-2, a prevenção de doença grave Covid-19 e a prevenção de sintomas a longo prazo após exposição ao SARS-CoV-2. Adicionalmente, a vacinação permite uma normalização da vida destas crianças, com melhoria da saúde mental, do desenvolvimento cognitivo, da interação social e da aprendizagem.
VACINAR AS CRIANÇAS ENTRE OS 5 E OS 11 ANOS É A MELHOR ESTRATÉGIA PARA CONTER A EPIDEMIA, TENDO EM CONTA QUE BOA PARTE DO MUNDO NÃO TEVE ACESSO SEQUER À PRIMEIRA DOSE DA VACINA?
Heloísa Santos, Médica geneticista e pediatra
Não é para aumentar o número de vacinados em Portugal e no mundo e acabar mais depressa com a pandemia que é aconselhável vacinar também as nossas crianças.
Quanto ao argumento infantil de que assim estamos a esbanjar vacinas que fazem falta noutras partes do mundo, é necessário salientar que o desaparecimento transitório de patentes as iria ajudar, mas não esta alternativa. Salk recusou patentear a vacina da pólio para que todas as crianças pudessem ser vacinadas. Há países, como África, em que não é apenas necessário oferecer vacinas, mas criar condições para estas poderem ser conservadas e administradas (perdem-se muitas vacinas doadas) e também muitas populações recusam recebê-las, tal como nos EUA, embora por outras razões.
A quem apresenta este argumento, será bom perguntar se este Natal irá prescindir da sua ceia para a entregar a muitas pessoas que seguramente nesse dia terão fome em Portugal.
Miguel Castanho, bioquímico e investigador do Instituto de Medicina Molecular
Não, em termos globais não é. Alocar recursos à vacinação das crianças no mundo rico, enquanto grandes áreas do mundo não têm a vacinação primária dos adultos, agrava assimetrias e torna essas zonas verdadeiras incubadoras de novas variantes. Nestas condições, será muito mais difícil fazer cessar a pandemia.
Hugo Rodrigues, Pediatra
Se se conseguisse vacinar todas as pessoas de risco a nível mundial, essa seria, sem dúvida, a melhor estratégia global de combate, mas penso que não é verdadeiramente uma alternativa, porque isso implicaria a necessidade de articulação política a nível internacional.
Paulo Oom, Pediatra
A nível local, nomeadamente a nível nacional ou europeu, é uma estratégia possível. Mas, só faz sentido se se continuar a insistir na vacinação dos mais velhos e na adoção de outras medidas de prevenção da doença e deteção precoce dos possíveis transmissores da doença.
Já se falarmos a nível global, todo o esforço deveria ser concentrado na vacinação dos países com menor taxa de cobertura vacinal onde o vírus continua a circular livremente e onde podem surgir novas variantes. Basta lembrar que em alguns países africanos a taxa de vacinação é de apenas 1% da população. O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, e a Organização Mundial da Saúde têm repetidamente alertado para esse facto.
Manuel Magalhães, Pediatra
Creio que estamos a falar de duas situações igualmente importantes e que devem ser concretizadas de forma eficaz e célere em todo o mundo. Efetivamente, para controlar a pandemia é fundamental que exista uma boa cobertura vacinal a nível mundial. Neste sentido, os países desenvolvidos devem estar focados em vacinar a sua população, não esquecendo os esforços conjuntos que têm que ter no apoio à vacinação dos países em desenvolvimento.
A vacinação das crianças dos 5 aos 11 anos não deverá impedir este tipo de esforços que devem ser mantidos com prioridade máxima em todo o mundo.