Com o aproximar do inverno e a inoculação das pessoas com mais de 65 anos com uma terceira dose de reforço, começamos a perguntar-nos: Mas afinal, quanto tempo dura a vacina?
A resposta é complexa. Miguel Prudêncio, investigador principal do Instituto de Medicina Molecular na Universidade Nova de Lisboa (iMM), defende mesmo que é uma resposta que “quanto mais tarde se tiver melhor, porque quer dizer que enquanto ela não existir, as vacinas estão a fazer efeito”.
O investigador explica que não há nada que se possa medir e nos diga exatamente quando é que as vacinas perderão completamente toda a eficácia. “Os anticorpos, por si só, não são preditores de nada. Temos ainda a imunidade celular, construída graças às células T”, afirma o especialista que considera que só o mundo real nos dirá, a seu tempo, se ou quando, as vacinas deixarão completamente de proteger.
E proteger do quê? Isso é importante também. Miguel Prudêncio relembra que a função principal das vacinas é prevenir doença grave e morte e que resultados de estudos recentes, que têm verificado leves decréscimos na eficácia das vacinas em proteger contra infeção sintomática e assintomática, não são ainda preocupantes.
Estas investigações têm estudado a resposta imunitária resultante da toma de várias vacinas, ao longo do tempo, e concluíram que todas elas tendem a perder eficácia na proteção contra infeção sintomática ou assintomática.
Um estudo da Agência de Saúde Pública Inglesa, que ainda aguarda revisão pelos pares, analisou a eficácia das vacinas contra a variante Delta ao longo do tempo. Os investigadores observaram que, entre as duas semanas após a segunda dose de vacina da Pfizer e os cinco meses que se seguem, há um decréscimo de 90% para 70% na eficácia da vacina em prevenir infeção sintomática.
O mesmo estudo verificou ainda que a vacina da Moderna comporta-se de forma semelhante. Entre as duas semanas após a segunda dose de vacina da Moderna e os três meses que se seguem, há um decréscimo de cerca de 94% para 85% na eficácia da vacina em prevenir infeção sintomática.

Percentagens de eficácia na proteção contra infeção sintomática na ordem dos 70% e 85 por cento são, ainda assim, como sublinha Miguel Prudêncio, extremamente altas.
Outros dois estudos, dos Estados Unidos da América e do Canadá, debruçaram-se, por sua vez, sobre a eficácia das vacinas em prevenir infeções sintomáticas ou não, causadas pela variante Delta.
A investigação americana, publicada na revista científica Lancet, em outubro, estudou a vacina da Pfizer e verificou que a eficácia na prevenção de infeção sintomática ou assintomática decaía para 53% no quarto mês após a inoculação com a segunda dose.
O estudo Canadiano, ainda a aguardar revisão pelos pares, verificou, ainda que com níveis diferentes, resultados semelhantes aos americanos. Os investigadores observaram que, ao longo de cerca de cinco meses, a eficácia da vacina da Pfizer contra infeção sintomática ou assintomática causada pela variante Delta, decaía, ainda que não descesse dos 80%. O mesmo estudo analisou a vacina da Moderna, com resultados semelhantes.
As taxas de declínio diferentes, encontradas nestes estudos, podem ser explicadas pelos métodos e a amostra que cada um usou, a localização ou o comportamento geral da população-alvo de cada estudo.

Infeção não é o mesmo que doença grave
Ainda que todos os estudos tenham registado, ao longo do tempo, uma diminuição na eficácia em prevenir infeções, Miguel Prudêncio relembra que “não é de estranhar, porque a proteção contra a infeção nunca foi tão elevada como aquela contra doença grave”.
O especialista afirma que esta perda de eficácia pode ser justificada por uma diminuição da concentração e número de anticorpos. “ Mas a nossa imunidade celular está lá para prevenir formas mais graves da doença. O principal objetivo das vacinas e aquilo para que foram desenhadas e testadas é a proteção dos casos mais graves de doença, das hospitalizações e das mortes”.
E, de facto, tanto o estudo na Agência de Saúde Pública Inglesa como o estudo canadiano observaram que, mesmo após vários meses, as vacinas da Pfizer e da Moderna mantinham-se extremamente eficazes em prevenir a hospitalização, com taxas superiores a 80%.

Miguel Prudêncio sublinha que a eficácia anunciada das vacinas de 90% nunca foi contra infeção assintomática, mas contra doença grave e que é importante não confundir as coisas. “A eficácia contra infeção assintomática nunca esteve acima dos 60%, por isso, uma decréscimo de 10% não é significativo”, comenta em relação aos resultados do estudo americano.
Uma perda de eficácia de 60% para 53%, ao nível de infeção, e mesmo de doença ligeira, não justifica uma dose adicional de vacina generalizada a toda a população
miguel prudêncio – investigador principal do imm
Por esta razão, Miguel Prudêncio acha que “uma perda de eficácia de 60% para 53%, ao nível de infeção, e mesmo de doença ligeira, não justifica uma dose adicional de vacina generalizada a toda a população”.
Maior perda de eficácia registada nos idosos
Já quando a perda de eficácia é registada ao nível da proteção contra doença grave, hospitalização e morte, “a situação é diferente”.
E aqui, “apesar de todas as diferenças que existem entre os estudos, todos eles mostram que as vacinas mantém uma elevadíssima proteção contra as formas graves de doença, hospitalização e morte”.
Mas os estudos mostram também que, a acontecer, embora de forma ligeira, esta perda de eficácia na proteção contra doença mais severa ocorre essencialmente em pessoas idosas. “Dai que os reforços vacinais nessa faixa etária sejam justificados”, defende Prudêncio.
“Quem não recebeu a terceira dose não se deve assustar”, descansa o especialista e enfatiza o facto estas pessoas não estarem desprotegidas. “Não é como se, de repente, passassem de 80 e tal por cento protegidas para zero, mas o reforço vacinal é importante para equilibrar a pequena perda de eficácia contra doença grave que há nestas faixas etárias”.
