“Daqui a pouco acabam-se as letras do alfabeto grego”, brinca o epidemiologista Manuel Carmo Gomes quando se refere à Lambda, a mais recente variante do coronovírus a estar na berlinda.
Identificada pela primeira vez no Peru, onde foi responsável por 82% dos casos registados entre maio e junho, no último mês esta variante espalhou-se para 29 países, entre eles Portugal (dois casos), levando a Organização Mundial de Saúde a classificá-la como variante de interesse, no dia 14 de junho. Mas Manuel Carmo Gomes relembra que não se trata do mesmo que ser classificada como variante de preocupação, como aconteceu com as variantes Alpha, Delta, Gamma e Delta).
Além disso, o epidemiologista diz que é preciso perceber bem se esta variante será ou não suficientemente competitiva, em relação à Delta por exemplo, para nos deixar verdadeiramente alerta, algo que o virologista Pedro Simas considera “possível, mas pouco provável”.
A Lambda apresenta sete mutações na proteína spike (utilizada pelo vírus para se fixar às paredes externas das células humanas) e a mutação que mais intriga os investigadores é a L452Q, semelhante à L452R, a mutação que explica por que razão a variante Delta é mais transmissível.
Devemos preocupar-nos?
Prognósticos só depois do jogo, mas, até ver, a nova variante pode não vir a ser particularmente relevante a nível global nem causadora de uma perda total de eficácia das vacinas.
Os especialistas são unânimes ao afirmar que ainda é cedo para “gerar o pânico com uma variante sobre a qual se conhece muito pouco”, nas palavras do investigador principal do Instituto de Medicina Molecular Miguel Prudêncio, apesar de ser importante “estar atentos e vigilantes”, segundo Pedro Simas e “ir tirando notas”, de acordo com Manuel Carmo Gomes.
Pedro Simas dá o exemplo de variantes que tiveram impacto geográfico, como as que foram identificadas pela primeira vez na África do Sul, Brasil ou Califórnia, mas não chegaram a conseguir dominar globalmente “como conseguiram a variante que apareceu no verão passado, a Alpha ou a Delta”.
“É preciso perceber se esta variante terá impacto global ou se será das que ficam pelo impacto mais geográfico”, afirma o virologista, explicando que o que irá acontecer na Europa, é que “o vírus vai competir contra si mesmo”. Ou seja, a variante Delta e a variante Lambda estarão numa espécie de duelo de titãs, a competir por nós, para ver quem acabará por ser a mais eficiente a disseminar-se.
Ainda assim, mesmo que a vencedora acabe por ser a Lambda, Pedro Simas relembra que esta encontrará uma Europa muito diferente daquela que, por exemplo, a Alpha encontrou em janeiro, “que nem 10% de imunidade tinha”.
Para que comecemos a dar atenção a uma variante tem de acontecer uma de três coisas, segundo Manuel Carmo Gomes: “ou ela começa a aumentar muito, ou começamos a ver que, ao sequenciar o vírus nos doentes com doença grave, aparece essa variante mais do que aquilo que seria de esperar, ou então, quando olhamos para pessoas totalmente vacinadas que foram infetadas, verificamos que a variante aparece mais do que devia”.
E será que a Lambda consegue escapar à vacina?
Sabe-se ainda muito pouco sobre esta variante e as conclusões parecem ser diferentes consoante os estudos tenham sido feitos na Europa e nos Estados Unidos da América ou na América do Sul.
A Agência de Saúde Pública britânica (Public Health England) já começou a investigar a variante Lambda e revelou recentemente não existirem provas de que cause doença mais grave ou seja mais resistente às vacinas, apesar de ser muito contagiosa. Opinião reforçada por um estudo da New York University Grossman School of Medicine, que indica que “as vacinas em uso permanecerão protetoras contra a variante Lambda”.
Já um outro estudo, da Universidade do Chile, em Santiago, ainda em pré-publicação, sugere que a Lambda é mais infecciosa do que a Gamma (brasileira) e a Alpha (inglesa) e com maior capacidade para escapar aos anticorpos produzidos pela vacinação. No entanto, é importante perceber que as vacinas avaliadas não foram as aprovadas na Europa, mas sim a vacina CoronaVac da China.
“O que os investigadores fizeram é uma coisa que se faz em laboratório, neste tipo de situações”, explica Miguel Prudêncio. Ou seja, selecionaram o soro de pessoas que foram vacinadas com uma dada vacina e depois mediram a capacidade de esse soro neutralizar a variante Lambda. O que este tipo de análise faz é medir a capacidade neutralizante dos anticorpos gerados pela vacina, mas “isto não é um ensaio de mundo real”, sublinha Miguel Prudêncio.
Não é a primeira vez que, perante uma nova variante, existe uma diminuição da capacidade neutralizante dos anticorpos gerados pelas vacinas, relembra o investigador, referindo que, nesses casos, “os níveis que tínhamos de anticorpos continuavam, ainda assim, a ser protetores”.
O investigador sublinha ainda que “estes estudos não nos dizem nada sobre resposta celular” que é a resposta desenvolvida pelas células de memória T, “um braço fundamental do mecanismo de proteção conferido pelas vacinas”. Além disso, o que se tem visto com outras variantes, afirma Miguel Prudêncio, é que, mesmo naquelas em que a capacidade neutralizante das vacinas diminui, a resposta celular é muito robusta e muito mais impermeável às mutações que estão presentes nessas mesmas variantes.