Um dia, por acaso, na escola onde trabalhava, descobriu que era diabética. Aproveitou um rastreio aos alunos e funcionários para testar os níveis de açúcar no sangue. Foi assim que Maria João Nunes, 57 anos, acabou por saber que tinha diabetes tipo 2. Teve de passar a tomar medicação e, quando deu por ela, estava a tomar medicamentos três vezes ao dia. Mas na realidade, e apesar de saber que tinha uma doença, não era isso que a atormentava. “Eu não me importava muito com a diabetes; detestava era ser gorda”, admite, lembrando que engordou depois de ser mãe, tendo chegado aos 90 quilos. Por isso, recorreu a vários médicos. “Emagrecia, mas voltava a engordar”, conta, explicando que “não comia muito” mas “mal”. Um dia ouviu, na televisão, um médico a falar sobre um tratamento diferente e decidiu arriscar mais uma vez. Inicialmente desconfiou de tanta boa notícia: “O médico explicou-me que com a cirurgia que eu ia fazer, os diabetes, hipertensão, hérnia e gastrite deveriam desaparecer.” O cirurgião Rui Ribeiro estava a referir-se à cirurgia metabólica – um conjunto de operações ao aparelho gastrointestinal que consegue tratar a diabetes mellitus tipo 2 (DMT2). “Não fazia ideia que podia ser operada e ficar sem diabetes”, afirma Maria João Nunes. A cirurgia é a mesma que a bariátrica, feita para a obesidade mórbida, mas destinada a diabéticos. Ao realizarem este procedimento para resolver os casos dos obesos mórbidos, percebeu-se que ficavam sem sinais de diabetes. “Sabe-se que tem resultados, mas ainda não se sabem as razões por que resulta”, explica João Raposo, diretor clínico da Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal, acrescentando que ainda se estão a estudar os efeitos, assim como o facto de algumas pessoas conseguiram ficar sem diabetes e outras não. No caso de Maria João, não podia ter corrido melhor. “Emagreci 40 quilos e não tenho sinal da diabetes”, conta, contente por ter conseguido deixar de tomar os medicamentos diários e de se sentir gorda. “Deixei de ter diabetes e estou uma Barbie, a vestir o 36/38”, diz, explicando que tenta cumprir as orientações médicas de fazer exercício e manter uma vida saudável. Rui Ribeiro estima que “cerca de 20 mil diabéticos tenham beneficiado das vantagens da cirurgia metabólica”. E muitos terão entrado no que o médico chama de estado de remissão. “A cirurgia provoca uma normalização dos níveis de açúcar no sangue”, refere, esclarecendo que a “palavra ‘cura’ não se deve aplicar porque se um doente persistir nos maus hábitos alimentares e sedentarismo, restabelecendo os seus depósitos de gordura, a doença pode voltar a manifestar-se, embora normalmente com menor gravidade”. Na prática, esta cirurgia “consiste em alterar a normal anatomia e fisiologia do tubo digestivo”, detalha. Um dos exemplos é o bypass gástrico, em que se divide o estômago em dois compartimentos, um pequeno, onde os alimentos continuam a passar e um grande, onde tal deixa de acontecer. O que permite ligar depois o estômago “pequeno” ao intestino delgado num local mais à frente no seu trajeto. É este o segredo, explica o médico: “Desta forma a produção das hormonas intestinais que regulam o funcionamento do pâncreas e os eixos da fome e saciedade são alterados, promovendo o controlo da diabetes.
6 perguntas a
Rui Ribeiro
Cirurgião-geral, coordenador do Centro Multidisciplinar da Doença Metabólicana Clínica de Santo António
Esta cirurgia faz reverter a diabetes tipo 2 a todas as pessoas que se submetem a ela?
Consegue melhorar a situação em quase 100% dos doentes, 2/3 dos quais ficam em remissão. Ou seja, sem diabetes e sem tomar medicamentos para toda a vida. Entre os restantes, melhorados, pode haver lugar a revisões mas é relativamente raro.
Todos os doentes podem fazer esta operação? Ou há algumas restrições?
As recomendações médicas internacionais indicam este tipo de cirurgia em qualquer doente diabético tipo 2 com obesidade de grau III. Isto é com um índice de massa muscular (IMC) maior do que 40 kg/m2 ou com um nível de obesidade de grau II (que é IMC maior do que 30 kg/m2), se a medicação não conseguir o controlo da diabetes, o que é comum.
Não tem contraindicações?
São pontuais, sendo a mais frequente a não adesão ao plano de alteração dos hábitos compartimentais. Doenças como a úlcera péptica ou as doenças hepáticas crónicas ou as inflamatórias intestinais crónicas colocam limitações nas escolhas das técnicas. A capacidade de compreender e aderir ao plano terapêutico é obrigatória, o que exclui alguns casos de limitação intelectual ou doença psiquiátrica grave. As toxicofilias (alcoolismo) são igualmente contraindicações.
E basta fazer uma vez na vida para reverter de vez a doença?
As cirurgias metabólicas tratam doenças crónicas e de perfil inflamatório que têm uma base genética e epigenética não sendo, portanto, erradicáveis. A grande capacidade de adaptação do organismo humano a situações adversas permite que estas doenças possam “recuperar terreno” ao final de alguns anos, depois de uma cirurgia. Nalguns desses casos, na obesidade e na diabetes, pode haver lugar a intervenções para reajustar e melhorar a capacidade terapêutica da cirurgia.
É uma cirurgia com benefícios mas muito cara?
O controlo da diabetes tipo 2 evita as doenças cárdio e cérebro vasculares aumentando a longevidade, melhorando a qualidade de vida e diminuindo significativamente o custo dos cuidados de saúde destes doentes. O custo da cirurgia é “amortizado” em dois anos.
Ou seja, é um procedimento que se fosse mais usado compensaria dentro de alguns anos, a nível financeiro?
Os economistas da saúde calculam que o tratamento da diabetes, com os custos diretos e indiretos, ou seja o tratamento e as complicações, consuma entre 10 e 15% das verbas dos orçamentos da saúde. Face aos custos elevados do tratamento da diabetes, estima-se que o custo de uma cirurgia seja amortizado em 2 anos.
Dois tipos diferentes
Tipo 2
Há 700 mil diagnósticos e mais de 300 mil por diagnosticar. É um defeito no metabolismo que resulta da incapacidade do organismo em responder à ação da insulina. Ligada aos hábitos de vida e excesso de peso.
Tipo 1
É uma doença diferente, em que há uma agressão ao pâncreas que deixou de funcionar. Só se trata com transplante de pâncreas ou de células. Surge cedo, na infância e adolescência. Esta operação não se aplica a este tipo.