Desde o início da pandemia, e da declaração das mais restritas medidas de confinamento um pouco por todo o lado, que Anders Tegnell tem estado contra a corrente. Antes de mais, porque o reconhecido epidemiologista sueco estava profundamente convencido de que, confiando no dever cívico dos seus cidadãos, era possível proteger os mais vulneráveis sem arrasar a economia. As imagens de uma Suécia mais relaxada em relação à Covid-19 correram mundo. A sua convicção era que, antes do verão, o país já atingira a imunidade de grupo.
Mas três meses depois, no início de junho, aquele especialista em doenças infeciosas, 64 anos, veio a público fazer um mea culpa. Perante um número inesperadamente alto de mortes, admitiu que a estratégia adotada continha erros. Sobretudo, na proteção dos lares, que não tinha sido a adequada. Mas, segundo um conjunto de emails agora conhecido, Tegnell chegou a questionar se uma taxa de mortalidade mais elevada entre as pessoas mais velhas não poderia ser aceitável. Tudo para, com isso, alcançar a almejada imunidade de grupo mais depressa. E não, como chegou a argumentar, para retardar a propagação do SARS CoV-2 e permitir que os serviços de saúde pudessem fazer face à situação. A especulação sobre qual era efetivamente a posição do principal responsável pela saúde pública na Suécia aumentou ainda mais depois de se saber que Tegnell, entretanto, apagara algumas das suas mensagens. E as críticas, duras, não demoraram.
“E por dez por cento vale a pena?”
Obtida pela imprensa sueca, ao abrigo da lei local, a correspondência de Tegnell com o seu homólogo finlandês, Mika Salminen, e ainda com o chefe da agência nacional de saúde sueca, revela ainda a sugestão de permitir que pessoas saudáveis fossem infetadas voluntariamente em cenários controlados. Por exemplo, mantendo as escolas abertas. Mas Salminen respondeu-lhe que a agência de saúde finlandesa tinha rejeitado essa opção porque “com o tempo, as crianças acabariam por espalhar a infeção entre outros grupos etários.” O finlandês argumentou ainda que o encerramento reduziria a propagação entre os idosos em cerca de 10 por cento. Ao que o sueco ripostou: “E por dez por cento vale a pena?”.
Mas agora, interpelado sobre o assunto, Tegnell nega que procurasse alcançar um objetivo a qualquer custo. “O meu comentário foi sobre um possível efeito, não sobre um efeito esperado, referindo-se à avaliação da adequação da medida”, garantiu agora, segundo o The Guardian, a Emanuel Karlsten, o jornalista que obteve os e-mails.
Posteriormente, a Suécia fechou todas as escolas para alunos maiores de 16 anos, mas manteve as outras abertas. E as famílias que decidiram o contrário denunciadas aos serviços sociais. Mesmo as que pertenciam a grupos de alto risco. O país proibiu reuniões com mais de 50 pessoas, mas pediu apenas que se observasse algum distanciamento. Além disso, lojas, bares, restaurantes e ginásios também continuaram abertos.
“Apago mensagens que não considero relevantes”
Já sobre os emails alegadamente apagados, ou que não constam dos lotes disponibilizados aos media, Tegnell argumenta que eram apenas partes de conversas de trabalho com diferentes grupos e que não precisavam ser guardadas. “Apago muitas mensagens de correio eletrónico que não considero relevantes”.
Mas apesar de negar que a imunidade seja um objetivo a curto prazo, Tegnell insiste que a sua opção preparou melhor o país para uma eventual segunda vaga. Desde junho, o número de casos e de mortes tem vindo a diminuir de forma constante. E apesar de ter um número de mortes por milhão de habitantes superior ao dos seus vizinhos nórdicos, é ainda assim inferior ao de alguns países que impuseram confinamentos— como é o caso do Reino Unido ou Espanha.