O meu período de isolamento está quase a acabar e não sei se tenho o coronavírus ou não. Nunca me fizeram o teste. Não sei muito bem o que fazer, mas tenho a certeza de que não vou pôr a minha família, nem ninguém, em risco. Se calhar continuo em isolamento, porque acho que é o que devo fazer…
A minha história tem início no dia 15 de março, quando comecei a sentir-me um pouco esquisito, febril. Como a temperatura chegou aos 37,7 graus, tinha muita tosse e falta de ar liguei para o SNS24 no dia 17 logo de manhã. Fizeram-me várias perguntas sobre o meu estado de saúde e se tinha estado em contacto com alguém infetado. Respondi que uma colega da sapataria onde trabalho estava de quarentena porque a filha dela frequentava a escola da Amadora que tinha sido mandada encerrar, além de que trabalho diretamente com o público e atendo muitos clientes estrangeiros na loja [no UBBO, antigo Dolce Vita Tejo, na Amadora].
A enfermeira do SNS24 reencaminhou o meu caso para o Centro de Saúde do Casal de São Brás e eu é que devia telefonar para lá para saber os passos seguintes. Depois de várias tentativas consegui fazer a ligação. Disseram-me para ir lá nessa manhã às 11h e perguntaram-me se, por acaso, tinha alguma máscara. Peguei no carro e lá fui, de máscara. Puseram-me numa sala sozinho, falei com uma médica por telefone e fiz um teste de densidade pulmonar através de um daqueles dispositivos parecidos com uma mola em que se põe um dedo dentro que me atiraram pela porta. O oxigénio estava bem e mandaram-e tomar ben-u-ron para a febre e um comprimido para os pulmões. Perguntei se não devia fazer o teste à Covid-19 e responderam que nos Centros de Saúde não faziam essa despistagem. Saí de lá com ordens para ficar de quarentena, dois panfletos sobre como fazer o isolamento em casa, um papel de baixa médica que me autoriza a sair de casa (!) e fui aviar a receita à farmácia.
Tudo estranho, tudo esquisito e eu com muita falta de ar e tosse. [Pedro interrompeu várias vezes este relato para recuperar forças devido à falta de ar].
As promessas de telefonemas do Centro de Saúde e da SNS24 nunca se cumpriram. Fui eu que, ao quinto dia, peguei no telefone. Na linha de saúde avisaram-me que o processo estava no Centro de Saúde e era para lá que devia ligar. A médica voltou a questionar como é que eu estava e só quando insisti outra vez sobre o teste ao coronavírus é que me disse para esperar mais uns dias, até abrirem os centros de despistagem em Lisboa. A febre, entretanto, estava controlada com o ben-u-ron, a tosse um pouco melhor, mas continuava com muita falta de ar. Ficaram de telefonar no dia seguinte. Mais uma vez, nada. Nunca recebi, até hoje, nenhum telefonema, fui sempre eu quem ligou.
Quando abriu o centro de testes no Lumiar voltei a questionar a médica do Centro de Saúde, a resposta foi que aquilo ainda não estava bem preparado. Desta vez mandou-me tomar um anti-depressivo, talvez por achar que a minha falta de ar se deve à ansiedade, mas a bula diz que não poder ser tomado por pessoas com problemas respiratórios. Também referiu que iria prescrever um raio-x aos pulmões. E o isolamento…?!
Desde o dia 17 que estou em quarentena no meu quarto, felizmente tem casa de banho. Estou no piso superior da casa, e os meus pais, de 74 anos e 70, mulher e dois filhos, de 5 anos e 16, no piso inferior. Comunicamos por telemóvel ou cada um do seu lado da porta. No dia do Pai vieram cantar-me os Parabéns à porta. Trazem-me a comida em caixas de plástico descartável que vai imediatamente para o lixo.
Amanhã, dia 27, vou pegar no telefone novamente para saber se devo ou não ir fazer o teste. Continuo com muita falta de ar e isto começa a ser angustiante. Não sei se tenho a Covid-19, se ainda posso contagiar alguém depois dos 14 dias de quarentena, se, depois, tenho de ficar outros 14… É uma grande incerteza.
Depoimento recolhido por Sara Rodrigues