A cegonha-branca é um dos maiores sucessos de recuperação em Portugal. Nos anos 90, restavam cerca de mil destas aves icónicas. Hoje, há 24 mil – e, dessas, 19 mil vivem cá o ano todo. Parte desse percurso explica-se com ações de proteção, como a instalação de plataformas de nidificação e mangas de proteção das linhas elétricas, mas porventura a maior fatia de “culpa” cabe a três causas negativas: a existência de aterros sanitários, a praga de lagostins-vermelhos e as alterações climáticas.
A cegonha não sai de Portugal porque não precisa, tendo aqui alimento em abundância e invernos cada vez mais amenos, explica Marta Acácio, da universidade de East Anglia, no Reino Unido, e uma das investigadoras do projeto Birds on the Move (inserido no projeto europeu Storks in Motion), que estuda as alterações de comportamento migratório destes animais. “Era uma espécie totalmente migradora que a partir dos anos 80 tem vindo a alterar o seu comportamento. Agora, em vez de todos os anos passar o inverno na África subsariana, vive aqui o ano todo.”
Um dos motivos, explica, na conversa da VISÃO VERDE desta semana, “foi a introdução do lagostim-vermelho”, que ocorreu nos anos 70. “Aí começou a haver mais alimento disponível. E, a partir dos anos 80, as lixeiras deram lugar aso grandes aterros sanitários. As cegonhas estão muito dependentes destas fontes de alimento antropogénicas. Se há muito alimento, o sucesso reprodutor aumenta.”
Há vantagens e desvantagens de se alimentarem em aterros sanitários. “Conseguem escolher o que é bom alimento, mas nem sempre acontece. Há estudos noutros países que mostram que elas levam, por vezes, elásticos para os ninhos, para alimentar as crias, porque parecem minhocas. Mas também gastam menos energia a comer nos aterros do que as que se alimentam no meio natural, e as crias estão em melhor condição física. Por outro lado, têm mais metais pesados.”
Entre o deve e o haver, a verdade é que é uma incógnita o que acontecerá à cegonha quando os aterros acabarem (as metas europeias apontam para 2030, ainda que seja certo que Portugal vai falhar). “ Não sabemos o que vai acontecer à cegonha quando deixarem de estar este alimento disponível. Se acabar esse recurso, não sabemos se conseguirá voltar a migrar.”
Os riscos do aquecimento
Tornar-se residente é uma vantagem evolutiva da cegonha, diz Marta Acácio. “A sobrevivência dos residentes é maior do que a dos migradores. Os invernos serem mais amenos faz com que decidam ser residentes em Portugal o ano todo. As alterações climáticas certamente contribuíram para a cegonha se tornar residente.”
O aquecimento, no entanto, pode vir a prejudicar muito a ave. “Pode afetar negativamente as cegonhas que façam a migração subsariana… O deserto do Sahara está a expandir-se, está a ficar cada vez mais seco, e o que pode acontecer é as cegonhas chegarem à sua zona de invernada e não terem alimento. Nos anos 60, 70, houve uma grande seca na região, e por causa disso as populações caíram a pique e tornou-se uma espécie ameaçada.”
O trabalho de Marta Acácio e dos colegas é seguir as cegonhas através de GPS. “Sabemos exatamente o que fazem durante a época reprodutora e de inverno. Conseguimos quantificar a energia que gastam, fazemos contagens mensais nos aterros e monitorizamos 400 a 450 ninhos todos os anos para medir o sucesso reprodutor, perto e longe dos aterros. Vamos aos ninhos ver quantos ovos têm, quantas crias saem do ninho.” Uma das descobertas do projeto Birds on the Move é que os animais que vivem perto dos aterros conseguem ter mais crias.
Hoje, mais de 70% da população de cegonhas é residente (a que se somam as que vêm do norte da Europa para passar aqui o inverno). “Há 20 anos, era talvez 20%. E tem vindo a aumentar. Em 2015 era 60 a 65%, agora os nossos dados de GPS dão-nos 77%”, diz Marta Acácio.
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