Com a Rússia a bloquear os portos da Ucrânia, o quinto maior exportador de cereais do mundo, impedindo o escoamento, as atenções viraram-se para a Índia. Esperava-se que o gigante asiático pudesse tornar-se, pelo menos temporariamente, o “celeiro” substituto da Ucrânia, minimizando os impactos negativos da guerra na segurança alimentar. Mas uma sucessão de ondas de calor tem destruído grande parte das colheitas.
Em abril passado, foram batidos os recordes das temperaturas médias mais altas no centro e no noroeste da Índia – ou seja, há pelo menos 122 anos. A 26 de abril, uma cidade atingiu os 46,5º C e outras nove ultrapassaram os 45º C. Três dias depois, a 29 de abril, duas cidades no vizinho Paquistão chegaram aos 47º C, no que será a temperatura mais alta alguma vez registada para este dia no Hemisfério Norte. O ministro para as Alterações Climáticas, Sherry Rehman, disse que esta é “a primeira vez em décadas que o Paquistão passa por aquilo que muitos chamam ‘ano sem primavera'”.
As temperaturas extremas no sudoeste asiático não são incomuns. Em Jacobabad, uma das cidades paquistanesas que atingiram os 47º C, têm sido ultrapassados os limiares de sobrevivência para as pessoas, devido a uma mistura de calor e humidade extremos. Mas esta canícula está a acontecer fora de época, dois a três meses antes de tempo. Alguns cientistas garantem que, antes da influência dos gases com efeito de estufa emitidos pela atividade humana, uma vaga de calor destas acontecia na região duas vezes por século. Agora, sucede uma vez a cada quatro anos, em média.
Drama à espreita em África
O calor de abril, quando o verão ainda está a dois meses de distância, obrigou a Índia a fechar escolas e sobrecarregou centrais térmicas de produção de eletricidade. Mas os maiores estragos aconteceram ainda em março, quando o calor começou. No Estado de Punjab, o mais produtivo do país, estima-se que as colheitas caiam 25%.
O calor deita por terra os planos indianos de venderem no mercado internacional os excedentes das suas colheitas, compensando as perdas desencadeadas pela guerra na Ucrânia (não só devido às dificuldades de escoamento pelos portos no mar Negro, mas também ao alegado roubo de centenas de milhares de toneladas de cereais por parte do exército russo). A China, por seu lado, que poderia capitalizar com o conflito no mercado internacional, debate-se igualmente com problemas nas suas colheitas, devido a um inverno particularmente chuvoso, que causou inundações catastróficas nos campos.
No início de abril, Narendra Modi, o primeiro-ministro indiano, garantiu a Joe Biden, presidente dos EUA, que a Índia se encontrava preparada para exportar alimentos para o resto do mundo, substituindo a Ucrânia. Mas, já na altura, alguns especialistas alertavam que a produção deste ano estaria a ser sobrestimada pelo governo. As falhas no abastecimento de fertilizantes são outra razão para as fracas colheitas, a somar à meteorologia adversa.
Para os consumidores europeus, o preço dos alimentos será a maior preocupação – desde 1990 que os cereais não estavam tão caros, no mercado internacional. Para outras regiões do planeta, no entanto, pode vir uma tragédia a caminho. O custo proibitivo dos alimentos deixará muitos países africanos em sérias dificuldades para alimentar as suas populações.