Numa investigação que seguiu as datas da primeira floração de mais de 400 espécies durante cerca de dois séculos, no Reino Unido, foi possível identificar um aparecimento precoce das primeiras flores nos últimos anos.
Entre 1793 a 1986, este fenómeno aconteceu sempre por volta de 12 de maio, mas desde então, e até aos dias atuais, a primeira floração tem sido cada vez mais cedo, com 2022 a registar um número recorde de chegadas antecipadas, segundo a contagem anual do Botanical Society of Britain and Ireland (BSBI).
As plantas herbáceas registaram a mudança mais significativa com as suas flores a surgirem, em média, 32 dias antes. Seguiram-se as árvores a floresceram 14 dias antes e os arbustos a fazê-lo 10 dias antes.
A impulsionar este fenómeno está o aumento da temperatura: as alterações climáticas têm vindo a antecipar a primavera e a atrasar o outono, explicou John David, chefe de taxonomia hortícola do Royal Horticultural Society.
De facto, em 2019, a primavera chegou 42 dias antes da média anterior a 1986. Na época, o aparecimento das primeiras flores no norte do Reino Unido ocorria nove dias antes do seu aparecimento no sul, enquanto que agora se verifica uma diferença de apenas quatro.
A primavera deixa-se acompanhar de dias mais amenos e a temperatura ocupa um lugar de destaque no ciclo de vida das flores. A relação entre as datas de floração e a temperatura média diária já foi provada. Entre 1952-1986 os registos indicavam temperaturas médias de 7,8°C entre janeiro e abril, inferiores à temperatura média de 8,9°C registada entre 1987 e 2019.
“Quando as plantas florescem muito cedo, uma geada tardia pode matá-las – um fenómeno que a maioria dos jardineiros já experimentou em algum momento”, alerta Ulf Büntgen, da Universidade de Cambridge, que liderou a pesquisa.
Além de impactar negativamente as próprias flores, o fenómeno em causa pode ter consequências ainda mais amplas, afetando ecossistemas no seu todo. O maior risco é o de “incompatibilidade ecológica”, acrescenta.
O termo remete para os ciclos de vida de espécies que evoluíram juntas e dependem umas das outras e que, com as alterações climáticas e o florescimento precoce, podem ficar dessincronizados. “Isso pode levar espécies ao colapso se não conseguirem adaptar-se suficientemente rápido”, explicou o investigador. Estes desencontros já têm vindo a ser verificados entre orquídeas e abelhas.
Pólen, néctar, sementes e frutos de plantas são importantes recursos alimentares para insetos, pássaros e outros animais selvagens, cuja incompatibilidade ecológica pode afetar diretamente. Caso este tipo de ocorrências se torne regra e não exceção, e a tendência para as flores surgirem cada vez mais cedo se mantenha, o estudo indica que “os sistemas biológicos, ecológicos e agrícolas ficarão num risco sem precedentes” com os humanos a serem também afetados, nomeadamente quem se dedica à agricultura. Se as flores aparecerem muito cedo podem ser atingidas pela geada, prejudicando a colheita das árvores frutíferas, por exemplo.
De acordo com a BSBI, narcisos, violetas e íris já floresceram duas ou três semanas antes e o National Trust já avistou botões de magnólia nos seus jardins.
John David, da Royal Horticultural Society, explicou: “O foco principal deste estudo é nas plantas nativas e, portanto, ainda não temos uma imagem clara do impacto total dessas mudanças nas plantas de jardim, mas esperaríamos um resultado semelhante. E vimos indicações disso nos nossos próprios jardins, como os tempos de floração da maçã no nosso pomar em Wisley.”
O combate deste fenómeno está também nas mãos do cidadão comum que pode contribuir registando as datas em que veem surgir as primeiras flores e comunicar ao Nature’s Calendar que, apesar de ser “o maior conjunto de dados do mundo”, “não é suficiente”, garante. “A atualização do conjunto de dados todos os anos é extremamente valiosa, porque esta é a única ferramenta que temos para realmente entender como o clima está afetando nossos ecossistemas. Isso não é algo que podemos modelar.”
A quem se interessa por jardinagem, David lembra que tem “um papel importante a desempenhar, portanto, no apoio à nossa biodiversidade nativa e na neutralização dos efeitos de qualquer incompatibilidade entre os tempos de floração e a vida selvagem dependente. Na nossa pesquisa Plants for Bugs , por exemplo, mostramos que plantas podem cultivar para apoiar a biodiversidade durante todo o ano”.