Uma das profissões que mais me fascina é a de guionista, pela capacidade de criar e contar histórias. Talvez por isso, e em véspera de Consoada, prefira usar este espaço para falar de dois anúncios publicitários que estão a fazer furor neste Natal, dada a forma como tocam corações e abordam temas que não são o território natural das marcas que os suportam. Falo do anúncio da Vodafone, que aborda o tema da saúde mental, e do anúncio da J&B, que destaca a inclusão, a tolerância e o valor do apoio familiar.
Sobre a campanha publicitária da telefónica não há muito a acrescentar. Depois de abordar o tema da violência doméstica no Natal de 2021, a marca conta agora a história de um jovem que personifica os desafios de quem se debate com um problema de saúde mental. A história acontece e o telemóvel é como que o rastilho para a guião.
No passado outras marcas tomaram posição semelhante e chamaram a si temas polémicos ou tabu. Quem não se lembra dos anúncios da Benetton que “chocavam” com as suas mensagens polémicas? Lembro-me particularmente de duas campanhas. Numa, a marca italiana apresentava três corações iguais legendados com “white”, “black” e “yellow” e pretendia passar a mensagem de que independentemente da cor ou etnia o coração é igual. Noutra um jovem judeu e outro muçulmano estavam abraçados e seguravam o mesmo globo terrestre. Ou seja, a campanha promovia a paz entre povos e crenças religiosas diferentes.
A Dove foi outra marca, talvez a segunda, a abordar um tema que faz parte do dia a dia, mas que na época não eram sexy: a autocritica da mulher. Icónico o anúncio onde um artista forense desenhava os retratos falados de mulheres com base na descrição que cada uma fazia de si? E onde o mesmo retrato era depois feito/desenhado com o testemunho de terceiros? A casa da beleza real voltaria ao tema ao ter como protagonistas nas suas campanhas mulheres reais, que se apresentam tão como são. Arrisco-me a dizer que com a Dove começou o movimento que permite ter, hoje, modelos plus size a fazer furor no mundo da moda.
Mas, vamos regressar ao anúncio da J&B que está a comover nas redes sociais, sem que o icónico whisky escocês não se mostre de forma direta. A história entre um avô e o seu neto em processo de transformação lembra que o Natal é marcado pelo encontro da família, mas que para muitas pessoas significa uma época de dor, fingimento, omissão ou mentira sobre quem na verdade são, uma vez que a verdade pode estragar o ambiente do jantar de consoada.
É interessante observar o poder das marcas, a forma como lideram a narrativa sobre temas fraturantes e acabam a tocar e a derrubar barreiras, modelos ditos tradicionais, de uma forma tão simples e tão tocante.
Pensar e concretizar uma campanha que alerta para um tema tabu mostra uma enorme responsabilidade da marca para com a sociedade. Parabéns pela coragem! E parabéns pelo copy, afinal atrás de uma grande marca há sempre um ou uma excelente guionista.
As marcas que forem capazes de trilhar este caminho, estão, também elas, a garantir o seu lugar na sociedade do futuro. Equidade não é terem todos a mesma cadeira para espreitar pelo muro, é cada um ter a cadeira na medida certa, para conseguir ver além do muro.
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