“O ecommerce veio para ficar?”, perguntam-me repetidamente. “O que acha que vai mudar?”, insistem. “E é desta que as lojas vão desaparecer?”, rematam.
O ecommerce veio para ficar, sim. O que não vai desaparecer são as lojas físicas, mas vão mudar. E as que não mudarem, sim, desaparecerão.
As lojas físicas são, há anos, a alma do retalho em Portugal. Antes de março deste ano, mais de 97% das compras de produtos físicos em Portugal eram originadas nas tradicionais lojas, fossem elas de rua, de bairro ou de shopping, em galerias no centro ou em parques comerciais nos arredores das nossas cidades.
Estas mesmas lojas existiam porque apenas um terço dos portugueses tinha alguma vez comprado alguma coisa online. Destas compras, a grande maioria eram viagens de avião via portais online, há quase 20 anos o “normal” neste tipo de processo, e que inflacionou bastante esta métrica.
Antes de março, as compras online de produtos físicos, ainda não eram o “normal”. Inúmeras razões conduziram a isto: a falta de confiança nos métodos de pagamentos, a ideia de que precisamos de tudo para “ontem” e o receio de receber o tamanho errado, tudo aliado a uma desconfiança generalizada em tudo o que não fosse “palpável”.
Entretanto, apareceu a pandemia. E no meio de todas as adversidades em termos de saúde, layoff e perda de liberdade, forçou os portugueses a acelerar drasticamente a curva de adoção das compras online. E como bom otimista que sou, forço-me a ver o copo meio cheio. Esta aceleração trouxe uma oportunidade gigantesca, para compradores e empresas, de descobrir um mundo novo, sem fronteiras no que toca ao sítio onde posso comprar (ou vender) as coisas que quero, fazê-lo às horas que quero, pagando como bem entender. E, melhor ainda, posso avaliar o serviço de quem o faz. Até hoje, esse luxo que era o de fazer um review, estava altamente limitado ao nosso círculo de amigos e familiares – hoje, está público, e as empresas têm de viver com ele e têm de ter a coragem de dar o corpo às balas quando errarem (poucas dão, por enquanto).
As lojas físicas viveram um período fenomenal. As pessoas iam passear em busca do que queriam – por vezes encontravam, por vezes não. Mas agora perceberam algo que antes não era evidente: que quase tudo o que querem e precisam, em qualquer formato, está à distância de um clique no seu telefone. E provavelmente, poderá ser entregue entre hoje e daqui a 5 dias. Precisamos mesmo de tudo para hoje? Desde março que vimos que não. Mais de 100 mil portugueses descobriram isso no Dott durante a pandemia, e um terço desses já voltou para comprar uma segunda vez. Mais de 5% compraram 3 vezes, ou mais, desde março. Isto quando o Dott é um “novato” com pouco mais de um ano de vida, acredito que outras plataformas mais consolidadas terão este comportamento ainda mais vincado.
E o que é que isto quer dizer? Que as lojas físicas vão desaparecer? Não, de todo. Mas nada será como dantes. Para quê ir a uma loja se posso ter tudo o que quero, sentado no sofá? O que me motivará a ir a uma loja? O que ganho na loja, que supere a série que estou a ver, confortável, em casa?
A experiência de loja será o grande diferencial. E as marcas que não se adaptarem a esta nova realidade, terão de enfrentar encerramentos generalizados, infelizmente.
E como se cria essa experiência? Investindo em algo diferente. Os espaços de loja deverão ser dinâmicos, artísticos. A arquitetura de loja chocará, chamará a atenção. Teremos “visitas” à loja, não para comprar, mas para ver do que tanto se fala, como se de uma obra de artista se falasse. Em termos de gama, a loja só terá produtos exclusivos e personalizados; os produtos “básicos” poderão ser comprados online, e isso o próprio assistente de loja lhe dirá. E a equipa de assistentes em loja? A dobrar roupa? Nada disso. Cada loja, seja ela high end ou de bijuteria, terá especialistas nos produtos, cuja simpatia rivaliza a de um amigo seu qualquer. Isto porque ele não estará lá para vender, mas para o fidelizar à marca, para que nunca mais se esqueça de que concorrentes há muitos, mas nenhum com esta paixão pelos seus produtos e pelos seus clientes, ou melhor, pelos seus fãs.
Não estou a ser utópico. Basta viajarmos um pouco. A rua Oscar Freire em São Paulo tem alguns dos melhores exemplos – a loja da Havaianas (quase parte de um tour da cidade), a Galeria Melissa (dos famosos sapatos de senhora) e a loja da Citröen (sim! No meio de uma rua de flagship stores de moda!). Nestas lojas encontrará combinações únicas. Quantos Citröen, ou quantas Havaianas de base violeta com fitas amarelas serão vendidos num passeio ao Domingo enquanto vamos almoçar? Não interessa, não é esse o objetivo, porque quem lá entra vai maioritariamente pelo arrojo e design de cada uma destas marcas, e ficará um pouco mais fidelizado, fazendo com que considere a marca de forma muito mais favorável no próximo momento de compra. Pesquise-as online. Terão o mesmo efeito em si, tenho a certeza.