Enfrentamos uma realidade distinta e sem precedentes.
As nossas empresas e Sociedade vivem um momento difícil. É certo que não estamos sozinhos, é também uma fase difícil para os nossos principais parceiros comerciais e para o mundo em geral, pelo que, numa economia aberta como a portuguesa e com um mercado interno muito limitado, a situação agudiza-se.
Portugal atravessa uma recessão económica profunda, com uma contração do Produto de que não há memória (-16,3% no segundo trimestre) e uma quebra vertiginosa de componentes fundamentais ao suporte de uma estratégia de crescimento sustentável.
Entre essas componentes estão as exportações, em particular quando consideradas em termos líquidos de importações. Em apenas dois trimestres Portugal perdeu todo o ganho conquistado na última década ao nível da intensidade exportadora. Uma conquista que foi o resultado do enorme esforço das empresas portuguesas, face à última crise económica e financeira. Dos 44% da intensidade exportadora registados em 2019, recuamos para os 30% de 2010, o mesmo que observávamos por ocasião da entrada na CEE.
Outra componente importante é o investimento. Embora a evolução tenha sido menos negativa (mas apenas associada à dinâmica do setor da Construção), continuamos com um baixo peso no PIB (19,4% no segundo trimestre, bem distante dos 28% de há duas décadas).
Como podemos estimular estas duas importantes componentes? Em grande parte, através de uma clara aposta na Indústria (incluindo os serviços com ela relacionados).
A Indústria é, por excelência, um setor de bens transacionáveis internacionalmente. Contribui para elevar a intensidade exportadora e, simultaneamente, substituir importações. Induz um efeito de arrastamento na produção e no emprego de vários setores (a montante e a jusante). Possui uma excelente capacidade para “dialogar” com as entidades do Sistema Científico e Tecnológico. Estimula a dupla transição, ecológica (verde e circular) e digital. Tem a oportunidade de aproveitar o redesenho das cadeias de valor e de abastecimento internacional, que vão encurtar-se, o que levará muita produção a regressar à Europa por razões de autonomia e segurança estratégicas.
Com a valorização da Indústria conseguiremos inovar mais, incorporar maior valor acrescentado nos bens que produzimos, melhorar a produtividade e competitividade, criar mais riqueza e emprego, melhorar o saldo externo e as contas públicas e ainda reforçar a coesão territorial.
É uma aposta alinhada com a estratégia europeia.
A AEP propôs um plano de estímulo e apoio à “reindustrialização”, com a designação de Portugal Industrial 5.0 – PT i 5.0 – Programa Estratégico para a Valorização da Indústria Portuguesa. No seu desenho, olhou-se para a experiência bem-sucedida do PEDIP e adaptou-se a sua essência aos atuais e futuros desafios. Definiram-se cinco dimensões:
• Capacitação Tecnológica (Inovação, I&DT).
• Capacitação para as Competências (Formação e Requalificação).
• Capacitação para a Eficiência Empresarial (Produtividade, Competitividade, Internacionalização, Comercialização e Marketing).
• Capacitação Financeira (Capitalização e Diversificação das Fontes).
• Capacitação das Entidades Associativas de Apoio à Indústria.
O montante global não poderá ser inferior a dez mil milhões de euros, com financiamento de verbas (não executadas) do Portugal2020 e do novo Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027, incluindo as do Fundo de Recuperação Europeu. A natureza do incentivo deve ser prioritariamente subvenção não reembolsável, com intensidade próxima de 100%, complementada com outras fontes de financiamento e capitalização.
Propõe-se tramitação célere, com modalidade de candidatura em contínuo, a que melhor se ajusta ao timing das decisões de investimento das empresas, e com um forte envolvimento das Associações Empresariais. Como meta, o PT i 5.0 quer aumentar o peso do VAB industrial no VAB total a uma média de 1 ponto percentual ao ano, o que significa que em 2030 atingiremos 28%.
Mas não nos iludamos. Uma boa eficácia do Programa exige a complementaridade de outras políticas públicas, favoráveis à envolvente dos negócios.
Como referi, Portugal não está sozinho. Esta é uma crise global. Contudo, em muitos aspetos, o nosso ponto de partida (pré-crise pandémica) é relativamente mais desfavorável, o que condiciona a fase de recuperação.
Portugal é um dos países da OCDE onde é exigido maior esforço fiscal às Empresas e Famílias. É também onde esse esforço mais tem aumentado. Simultaneamente, mantém um dos mais baixos níveis de qualificação da população ativa, com sérias implicações no mercado de trabalho.
Juntam-se outros constrangimentos que persistem para a atividade empresarial, que repetidamente tenho vindo a sublinhar. Temos de ser capazes de os eliminar. Só assim se abrirão melhores perspetivas para a fase de recuperação, que tanto ambicionamos, num cenário em que a incerteza é muito elevada.
O impacto económico da pandemia está associado ao controlo da evolução da doença e, paralelamente, à capacidade de implementação de medidas eficazes de suporte à atividade económica e social.
As projeções macroeconómicas (como as mais recentes do Conselho das Finanças Públicas) continuam a “ancorar a recuperação económica no pressuposto de que o choque negativo transitório é sobretudo do lado da procura”.
Importa repor a confiança dos consumidores e empresários. No imediato temos de assegurar a oferta, isto é, a capacidade de produção de bens e serviços – atual e futura, condição para a manutenção e criação de emprego. Um cenário de destruição da capacidade produtiva atual, com materialização do risco da insolvência de empresas, terá fortes implicações no agravamento das condições de financiamento e instabilidade financeira do país.
Ao longo desta crise pandémica, mais uma vez os empresários portugueses demonstraram estar ao mais alto nível. Perante situação tão adversa, readaptaram, reinventaram e realocaram a produção das suas empresas para as mais emergentes solicitações do mercado. Não podemos desperdiçar este excelente ADN dos nossos empresários industriais.
Neste momento, nem sequer se coloca o problema de recursos financeiros. Portugal conta com um montante significativo de verbas. É uma questão de prioridades. A aposta na valorização da Indústria é uma estratégia prioritária, que deve ser aplicada desde já e que deve continuar a ser seguida a médio e longo prazos.