Lembra-se de quando os telejornais portugueses abriam a falar sobre “multiplicadores orçamentais”? A crise mudou muitas coisas nas nossas vidas. Uma delas foi forçar os portugueses a discutir conceitos a que apenas macroeconomistas davam atenção. Em 2012, o debate era se o Governo e a troika tinham estimado bem o impacto negativo da austeridade. Spoiler alert: não tinham. O plano assumia que por cada euro de corte na despesa ou subida dos impostos, a economia sofreria 0,8 euros, mas o FMI haveria de dizer que, naquele contexto, esse multiplicador estaria entre 0,9 e 1,7 (o Banco de Portugal assumiu depois que podia até chegar aos 2). A incapacidade para fazer esse cálculo significou que a recessão em Portugal foi muito mais longa e profunda do que se esperava, o que, ironicamente, significou que a descida do défice foi mais lenta.
Estes multiplicadores também podem ser positivos. Por exemplo, investimento público pode alavancar a economia num valor superior ao montante gasto. Susana Peralta, Francesco Franco e Bruno Carvalho trazem de volta este debate, mas aplicam-no à política local. Num novo paper para o qual já têm resultados preliminares, estes três economistas da Nova tentam calcular qual é o impacto do reforço de investimento das câmaras municipais portuguesas – normalmente feito em período eleitoral – na economia local.
Embora esta seja a primeira vez que isto é feito em Portugal, já houve outras tentativas internacionais. Talvez a mais conhecida venha de Itália. Em 2014, Antonio Acconcia, Giancarlo Corsetti e Saverio Simonelli aproveitaram uma nova lei de combate à corrupção local, criada devido às suspeitas de infiltração da Máfia nos executivos locais. Essa legislação provocou recuos substanciais, ainda que temporários, de despesa pública.
“Quando o executivo de um município é afastado com base em provas de infiltração da máfia, normalmente os comissários externos nomeados pelo governo central cortam o fluxo financeiro para construção pública e outros investimentos”, pode ler-se no paper. No primeiro ano dessa travagem, assistiu-se a uma quebra média dos gastos públicos de 20 pontos percentuais. Com base na análise de 95 províncias italianas, os académicos concluíram que essa despesa – ou, neste caso, a falta dela – tinha efeitos significativos na atividade local, pelo menos no curto prazo. O multiplicador era de 1,5 (e podia até chegar a 1,9).
Se os italianos utilizaram a máfia, os académicos portugueses usaram uma realidade que os portugueses conhecem bem: a aceleração de obras públicas em período pré-eleitoral e a catadupa de inaugurações. Em anos de eleições autárquicas, as câmaras gastam mais do que noutros períodos e isso é especialmente verdade nas categorias de investimento. Qual o impacto desses picos de despesa? O estudo da Nova olhou para os dados de 278 municípios do continente português entre 1986 e 2014 e concluiu que um aumento de 1% do investimento ou da despesa corrente das autarquias traduz-se num crescimento de 1,5% a 1,7% de postos de trabalho a tempo inteiro no sector privado desse município. Nos salários, também se observa um aumento ligeiro, entre 0,2% e 0,6% no ano a seguir às eleições.
Estas estimativas de impacto estão em linha com outros trabalhos académicos e, pelo menos no caso do emprego, mostram que esse tipo de despesa pode ser relevante. Significa isso que a ideia que temos sobre estes gastos pré-eleitorais – projetos “vazios”, que pouco ajudam a população – está errada? Mais devagar.
“Observamos um pequeno efeito no emprego, provavelmente transitório. É possível que as populações locais sintam algum efeito positivo. Este facto não tem nada a ver com a despesa ser ou não vazia”, explicam os autores à VISÃO, em respostas enviadas por email. É ainda necessário perceber melhor onde é que esse dinheiro está a ser aplicado. “Uma atividade que cria emprego no curto prazo pode ser pouco útil, e pode até estar a desviar recursos de atividades que gerem mais valor.”
Normalmente estas análises são feitas a nível nacional, como no exemplo dado em cima sobre o programa da troika. Mas o estudo de realidades mais locais traz vantagens. “Um dos problemas da análise dos multiplicadores é que os gastos respondem ao PIB. Por exemplo, um ‘boom’ aumenta a receita de impostos e permite que o estado gaste mais. Logo, se encontrarmos o PIB a aumentar em simultâneo com os gastos, é o PIB que aumenta os gastos, e não o contrário”, escrevem os três economistas. “Para podermos calcular com precisão o multiplicador, precisamos de isolar fontes de variação nos gastos que não seja relacionado com o PIB. Isso é mais fácil de encontrar com dados municipais, dado que estamos a tratar de governos que funcionam dentro dum quadro institucional comum.”
Antiguidade é um posto?
O estudo tem duas conclusões adicionais: uma delas algo previsível, outra mais surpreendente. A primeira é que municípios de maior dimensão conseguem gerar multiplicadores maiores com a sua despesa pública. Isso seria de esperar, tendo em conta que mega-câmaras, como Lisboa e Porto, têm mercados de trabalho mais dinâmicos e mais poder de fogo financeiros. A segunda conclusão é mais intrigante. Os dados mostram que presidentes de câmara há mais tempo no poder gastam ligeiramente mais, mas que esses gastos têm multiplicadores mais baixos. Isto é, dão um impulso menor à economia local.
Porquê? É preciso aprofundar mais a investigação para chegar a uma resposta, mas os autores suspeitam que “pode ser que o capital político destes presidentes de câmara lhes permita gastar de forma diferente, e que isto cause menos impacto”, respondem à VISÃO.
O estudo ainda está a ser mais desenvolvido. “Queremos olhar com mais detalhe para o tipo de emprego que é criado para perceber melhor os efeitos.” Talvez em breve tenhamos uma noção mais clara sobre se aquela nova rotunda construída a seis meses das eleições está a fazer alguma coisa pelas nossas vidas ou apenas pelo futuro político do autarca.