Era uma queixa recorrente, de Lisboa a Atenas: as decisões do BCE são aquelas que a Alemanha quiser. Um novo estudo feito por economistas da Nova mostra que a Alemanha parece ter, de facto, mais peso nas decisões do BCE acerca de subidas ou descidas dos juros. Ficam confirmadas as suspeitas do Sul da Europa? Nem por isso. É que esse peso provavelmente teria de ser ainda maior, se tivermos em conta a dimensão da economia germânica.
O paper – que está em revisão para publicação – foi escrito por José Tavares, professor da Nova SBE, e Márcia Silva Pereira, mestre em Economia pela mesma faculdade. O objetivo era testar se os preconceitos de muitos analistas tinham alguma verdade pelo meio. “De facto, os países do Norte têm em geral mais peso do que os países do Sul, mas França e Alemanha são, mesmo assim, menos consideradas do que o seu peso em termos de população ou rendimento sugere”, explica José Tavares, por email, à EXAME.
Ou seja, Berlim apresenta até um peso inferior ao que seria de antecipar que tivesse, tendo em conta a sua dimensão. “Não é verdade que o BCE considere ‘apenas os interesses da Alemanha, ou da França’, nem sequer os considera em proporção ao seu peso ‘natural’, da população e economia”, acrescenta José Tavares.
Como é que os dois autores chegaram a estas conclusões? Olharam para o comportamento dos diferentes bancos centrais de cada país antes do euro e assumiram que, sem moeda única, eles continuariam a agir da mesma forma no pós-1998. A seguir, calcularam a diferença entre essa estimativa e a evolução real das taxas de juro, decidida pelo BCE.
Isso permite verificar se há países mais alinhados do que outros. Por exemplo, Holanda, Bélgica, Áustria e Luxemburgo parecem ter um peso superior àquele que seria de esperar, tendo em conta as suas características económicas e demográficas.
Portugal também não parece ter motivos para se queixar. Isto é, as subidas/descidas de juros do BCE não são muito desajustadas ao País. Os dados apontam para o seu peso estar alinhado com a sua população e dimensão económica, assim como Espanha e Irlanda, dois países que também tiveram a honra de ser integrados no acrónimo PIGS. “A Grécia é o país cuja conjuntura influencia as políticas do BCE sistematicamente menos do que as suas população e economia sugeririam, mesmo durante a crise das dívidas soberanas”, nota o professor da Nova.
O estudo é útil para aferir a proximidade de cada país à política do BCE. Contudo, traz com ele uma fragilidade: ao usar como modelo as decisões tomadas pelos bancos centrais no período pré-moeda única, assume-se que eles continuariam a comportar-se da mesma forma, o que obviamente não é garantido.
Além disso, os autores focaram-se apenas nas decisões sobre os juros. Ou seja, não tiveram em consideração os programas não-convencionais do BCE, como a compra de dívida. “A expectativa é de que a política não convencional do BCE responde de forma mais flexível às diferentes necessidades dos países, e, por isso, corrige a dificuldade da taxa de juro de referência do BCE em responder a conjunturas económicas por vezes tão diferentes”, diz José Tavares.
Numa altura em que um alemão é dos principais candidatos a substituir Mario Draghi na liderança do BCE no final deste ano (Jens Weidmann), o estudo mostra que talvez demos demasiada importância ao alinhamento de Frankfurt. “Uma política monetária comum tem o potencial de ser incapaz de gerir as diferentes narrativas económicas de cada Estado-membro da zona euro”, pode ler-se na conclusão do paper. “Porém, as nossas estimativas sugerem que os diferentes pesos implícitos dos países obtidos pelo comportamento do BCE não se distinguem a um nível que constitua um obstáculo político sério, embora seja aconselhável ter em consideração as circunstâncias específicas de alguns pequenos países, especialmente durante crises graves.”