Estavam cerca de 9. ºC em Lisboa, e apesar do esforço que o sol fazia para aquecer as ruas da cidade, o choque térmico era inevitável para quem acabou de chegar dos 42.ºC do Rio de Janeiro. Apesar de a pele estar a sentir os efeitos da massa de frio polar que atravessou a capital portuguesa nos últimos dias, Marcelo Freixo surge de sorriso rasgado e visivelmente feliz por estar a preparar-se para participar na primeira feira internacional de turismo (a BTL, que acontece até ao próximo domingo) desde que tomou posse como presidente da Embratur. A agência de Turismo brasileira, empresa privada de utilidade pública, esteve praticamente inanimada durante os últimos quatro anos, mas está pronta para voltar a ganhar a confiança dos turistas internacionais.
“O Turismo representa 8% do PIB brasileiro”, começa por dizer o antigo deputado federal – líder da oposição a Bolsonaro no Congresso – e professor de História. “Na Embratur, temos uma parceria com a Fundação Getúlio Vargas e sabemos, por estimativas da FGV, que por cada R$1 investido no Turismo, entram R$20 na economia”. Isto porque o Turismo permite gerar emprego, “é compatível com a preservação do meio ambiente e respeita as culturas. Promover o Brasil da democracia e da responsabilidade climática é promover o Brasil em que a também queremos viver. Quando o mundo visita o Brasil, o mundo ajuda também a construir esse Brasil”, diz em jeito de justificação.
A conversa devia ter sido apenas sobre a Embratur mas era impossível não ser também sobre política. Até porque Marcelo não demorou muito a afirmar que “o presidente Lula talvez seja, hoje, a figura política mais importante da história do Brasil de todos os tempos”. E não o diz, garante, por ser próximo do responsável máximo da República Brasileira. “Eu sou historiador. E são factos. Ele criou um partido na ditadura, tornou-o no maior partido da América do Sul, perdeu eleições, ganhou eleições, passou pelo que passou e voltou a ser eleito”, recorda. “O Lula tirou o Brasil do mapa da fome, e isso não é uma interpretação”, salienta.
E é, precisamente, a vitória de Lula da Silva que marca o momento tão diferenciador que a Embratur quer aproveitar. “O país vive um momento muito positivo. A eleição do presidente Lula trouxe isso. Eu não sei o que aconteceria com o Brasil se ele não tivesse ganhado essa eleição. É inimaginável”, reflete. Lula da Silva “é alguém muito comprometido com a democracia e cuja vitória foi saudada pelo mundo. E isso há muito tempo que não acontecia. Foi o Brasil a reafirmar o seu compromisso com a democracia, com o meio ambiente, com os povos tradicionais, organizando o poder onde esse recado fica muito claro”, diz ainda, recordando a nomeação de ministros como Marina Silva (Meio Ambiente), Sónia Guajajara (Povos Tradicionais) ou Anielle Franco (Igualdade Racial).
Com vários deles, aliás, Marcelo esteve já reunido, porque o “Turismo é um assunto transversal” e, portanto, o responsável quer garantir que tem o compromisso máximo das instituições para fazer as reformulações a que se propôs e que revelam um corte total com aquilo que, segundo ele, não foi feito durante os últimos quatro anos.
Isso pode passar por projetos concretos como o que está a desenvolver com o ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, para tentar coordenar os esforços de qualificação de mão-de-obra com a procura dos operadores turísticos em cada região do Brasil, revelou.
Em apenas um mês e meio, Freixo já reformulou a equipa da Embratur e iniciou os trabalhos junto dos operadores turísticos, enquanto se mexeu nos bastidores do Congresso. Um trabalho quase hercúleo sobretudo porque teve de gastar “tempo, trabalho e dinheiro” somente para tratar irregularidades e enxugar a equipa, revela.
“A Embratur tornou-se [durante o mandato de Jair Bolsonaro] num lugar onde havia tudo menos a promoção do Turismo. Havia muitas pessoas que não deviam estar empregadas ali. Fizemos um número elevado de demissões, e isso foi muito caro – gastámos mais de 4 milhões de reais (mais de €700 mil) com indemnizações. Havia muitas irregularidades. Encontrámos pessoas contratadas e promovidas depois da segunda volta das eleições, e antes da tomada de posse de Lula da Silva, o que é uma total irregularidade porque aquela gestão já tinha terminado”, explicou ainda “Tivemos de entrar com ações em Tribunal, anular coisas e isso consumiu-nos tempo, trabalho e dinheiro. Depois disso fizemos um documento que entregámos aos órgãos de controlo como o Tribunal de contas e montámos uma equipa técnica que o mercado acolheu muito bem, em todos os setores e regiões do Brasil. Trouxemos pessoas reconhecidas, muito qualificadas e quisemos passar com isto um sinal de credibilidade, abrindo um diálogo muito grande com os setores do turismo e isto gerou confiança”, congratula-se.
Apesar de os últimos anos terem sido particularmente desafiantes, Marcelo garante que o sucesso do Carnaval deste ano provou que o país está preparado para acolher mais turistas, apesar de estar ainda a recuperar-se das feridas recentes. Os hotéis, os restaurantes, os motoristas de transportes de passageiros, os vendedores ambulantes, todos eles estiveram à altura do desafio complexo de fechar com sucesso as comemorações de um evento que leva a algumas das principais cidades do Brasil turistas internos e externos, além de contar com os habitantes de cada região.
“Os números provisórios da Federação Nacional do Comércio apontam para uma receita global na ordem dos R$8 mil milhões (perto de €2 milhões), mas acho sinceramente que os resultados vão ser melhores, tendo em conta o que algumas regiões já reportaram”, diz. O que Marcelo quer deixar claro é que, caso os turistas já estejam prontos para voltar, o Brasil já está pronto para os receber, e vai continuar a trabalhar para melhorar.
Quando lhe pedimos que faça o exercício de teórico de imaginar o Brasil daqui a dois anos, o responsável é rápido a responder: “O Brasil será o país comprometido com a Democracia, com a Ciência. Comprometido em oferecer alegria, educação, segurança e democracia. É um país comprometido, também, com a questão ambiental de que Lula tem falado imenso”. E não terá sido por acaso que a palavra ‘democracia’ apareceu tantas vezes durante os cerca de 30 minutos em que a EXAME falou com o gestor. “O Brasil já não é o país das queimadas, do garimpo ilegal! É o lugar das liberdades, onde poderá haver Turismo LGBTQ+ – aliás, haverá programas próprios – e um país respeitoso com a vida. Esse é o Brasil que venceu a eleição, mais do que o Lula. É esse o Brasil!”, garante, otimista.
Para Marcelo Freixo foi importante deixar claro o novo momento que o país atravessa, que também não será igual ao que viveu durante os primeiros mandatos do presidente repetente, por questões muito simples: hoje o Brasil está mais pobre, mais dividido, mais violento. Para o recuperar, repete, espera que o Turismo possa ter um papel fundamental, porque foi quando se abriu ao mundo que o mundo fez dele um país melhor.
Aproveitámos ter um historiador na sala – e num cargo significativo para o caminho da consolidação económica do Brasil – para tentar perceber se a eleição de Lula da Silva não poderia também ser um sinal de que o país tem dificuldade em encontrar alternativas que considere válidas entre as novas gerações de políticos.
Para Freixo, a resposta não é óbvia, e é dada quase em jeito de reflexão. “A gente precisava do Lula, o Brasil precisava do Lula. Aos 77 anos ele tinha todo o direito de não se candidatar. Mas ele assumiu esse compromisso e eu tenho dúvidas de que se ele não se tivesse candidatado, que tivéssemos ganhado essa eleição”, começa por dizer. “Mais do que revelar uma crise geracional ou de renovação, acho que o Lula pode ajudar nessa renovação. Não teríamos nenhuma possibilidade de renovação política se tivéssemos perdido esta eleição. E ele trouxe a vontade e o envolvimento e a alegria pela política de volta. O pós-Lula, que ainda vai demorar porque ele acabou de ganhar uma eleição, será organizado com Lula e não sem Lula. E isso é muito importante. Acho que hoje temos muito mais condições de renovar a política brasileira”, conclui.
“A Democracia não é apenas o direito ao voto. A democracia é uma condição de vida, de funcionamento das instituições. A maior herança que Lula deixa é a consolidação da democracia, da Constituição de 1988 e um país com as suas garantias democráticas. Que isso seja consolidado nas relações políticas, sociais e nas instituições”, é o que espera quando lhe pedimos para pensar o Brasil em 2035.
Para já, segue de mangas arregaçadas a mostrar o novo Brasil ao mundo, partindo para a Alemanha assim que a BTL terminar, e regressando depois ao gigante da América do Sul para continuar os trabalhos desde Brasília. Se for pela vontade e pelo entusiamo da equipa com quem nos cruzámos em Lisboa, facilmente o Brasil vai voltar a estar na preferência de quem gosta de sol, calor, boas praias e melhores caipirinhas. Resta saber se o mundo, também ele diferente daquilo que era há 10 anos, está preparado para o regresso do samba ao tabuleiro do xadrez geopolítico e económico mundial.