Ambição. Foi uma das ideias mais destacadas num painel da Portugal em Exame dedicado à encruzilhadas que a economia portuguesa enfrenta. Numa conversa que teve a participação de Alberto Ramos, António Saraiva, João Duque e Sara do Ó foi realçada a importância de o país, o governo e as empresas terem uma estratégia de crescimento que permita ganhar escala e competir de forma mais eficaz no mercado global.
Mas, segundo Sara do Ó, “em Portugal é muito difícil aceitar a palavra ambição”. A fundadora e CEO do Grupo Your considera que os objetivos das micro empresas é de se tornarem pequenas, para depois passarem a médias e acabarem por chegar a grandes. Mas observa que não há incentivos para que isso aconteça e que “o lucro acaba por não ser bem visto”. Considera que faltam “políticas de concentração e que os próximos anos deveriam ser de fusões e aquisições”, já que, constata, “não conseguimos ter escala”. A falta de incentivos para se crescer acontece tanto ao nível das políticas públicas como também na relutância de os empresários enveredarem por operações de concentração, refere Sara do Ó.
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Também o economista João Duque considera que “nos falta ambição coletiva” e que esta “poderia ser acicatada pelo governo”. No entanto, o professor catedrático do ISEG constata que “além de não serem apoiadas, as empresas são mesmo reprimidas no seu crescimento”. E questiona: “Se quanto mais cresces mais levas na cabeça, qual o incentivo de crescer?”. O economista defende que “é bom ter empresas grandes, já que quanto maiores e mais lucrativas” mais condições têm para dar melhores condições salariais e gerar mais retorno em termos sociais.
Os participantes neste painel argumentaram que só empresas de maior dimensão e lucrativas têm condições para atrair talento num mercado cada vez mais global. No caso das PME, por exemplo, Sara do Ó revela que “há muita vontade de contratar talento”, mas essas empresas não têm as condições para o conseguir atrair ou reter os jovens portugueses mais qualificados.

A encruzilhada
Alberto Ramos deu o ponto de vista da banca e considera que a economia está “numa encruzilhada e não no precipício”. O responsável do Bankinter Portugal diz que não se recorda de haver uma crise tão anunciada como esta, mas acredita que apesar de a economia poder desacelerar, poderá evitar-se uma recessão. “Os dados vão comprovar isso e o mercado de trabalho é mais resiliente que o esperado”, justificou.
Ainda assim, o banqueiro ressalva que o fenómeno de desglobalização e de maiores tensões geopolíticas têm um preço. “Estamos num momento de passagem que tem custos, quer para as empresas como para os particulares”, disse.
Por seu lado, António Saraiva defende que Portugal já está numa encruzilhada há cerca de duas décadas. O presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP) considera que “não há uma estratégia de crescimento e esse é o nosso grande problema, já que não temos um desígnio que nos faça escolher um dos caminhos”. Conclui que “há 20 anos que temos um crescimento anémico” e adverte que enquanto não existir coragem política para se fazerem reformas na administração pública, na justiça e a nível fiscal dificilmente o país terá condições de crescer de forma vigorosa e sustentada. E aponta que o caminho do crescimento passa pela aposta na dimensão, inovação e internacionalização.
Neste debate, a discussão acabou, assim, por centrar-se mais em desafios de longo prazo, até porque um dos nossos calcanhares de Aquiles que foi apontado é a incapacidade de planeamento e de execução coerente. Já no curto prazo, os últimos dados apontam para que o país possa escapar a uma recessão, vivendo uma desaceleração do crescimento.