Primeiro foram os vinhos das Caves Dom Teodósio, que conquistaram o País pela mão do avô de João M. Barbosa. As Caves Dom Teodósio foram fundadas em 1924, em Santarém, e foram pioneiras na produção de vinhos de quinta. Cerca de 70 anos depois, em 1997, nasce a João M. Barbosa Vinhos, que é hoje responsável por marcas como Ninfa (região Tejo) e Lapa dos Gaivões (Alto Alentejo), produzindo atualmente vinhos de baixa intervenção e que têm evoluído ao longo dos anos, a acompanhar as tendências do mercado, as necessidades da Natureza e o crescimento da família, que está praticamente a 100% envolvida no negócio – seja nas áreas de vendas e de comunicação ou a participar em todas as vindimas e respetivas lavagens de cestos. Aqui, vinho e família confundem-se numa simbiose visível nas características tão diferentes de cada referência que chega ao mercado, quase como se cada uma delas fosse reflexo dos sete elementos mais velhos do clã Barbosa.
Talvez tenha sido por isso que o recente pét-nat Galerna nos tenha surpreendido, mas ao mesmo tempo se revelou óbvio: este branco, que recebe o nome do espírito do vento brincalhão que se manifesta numa brisa leve ou na força de um tornado – se não viu o Frozen 2, fica a dica – inaugura a produção de vinhos mais jovens, não filtrados, e reflete precisamente uma certa inquietude. Com 12% de álcool e leveduras presentes – pode comê-las, depois de se surpreender com um vinho perfeitamente equilibrado e, sobretudo, divertido –, este Galerna pode bem ser a melhor representação da família de João M. Barbosa: inesperado, a exalar juventude e dinamismo, e acima de tudo muito curioso. Se prefere um perfil mais clássico, arrisque levar um espumante Ninfa Brut Nature de 2012 para o próximo jantar ou um Lapa dos Gaivões Grande Reserva Tinto de 2011. Mas se quer sentir um pouco de História na boca, sugerimos mesmo que deixe de lado os preconceitos quanto aos vinhos de baixa intervenção (eu tenho alguns, confesso aqui publicamente) e se encante com este.
No mesmo sentido e, se como eu, acredita que os vinhos são muito mais do que apenas o resultado de muita técnica e sabedoria, sugiro que desça até ao Sul do País e leve para casa – ou experimente na herdade – uma das referências do Morgado do Quintão. A propriedade, que pertence à família há 300 anos, tem renascido pelas mãos de Filipe Vasconcellos, publicitário, gestor, empresário e agora também agricultor-e-fazedor-de-tudo neste novo desafio. A morte da mãe, a artista plástica Teresa Caldas de Vasconcellos, deu a Filipe vontade de pegar na propriedade da família e fazer algo que lhe “fizesse sentido”, contou à EXAME recentemente, numa conversa que pode ler no nosso site. Depois de vários anos fora do País, e de uma carreira internacional que o levou a viver em Paris ou Nova Iorque, voltou a Portugal com um olhar cheio de mundo para tentar fazer diferente. Em 2016 decide que o Morgado do Quintão, que até então produzia uva para vender à cooperativa, vai passar a fazer vinho próprio. Junta-se a Joana Maçanita, que ainda hoje é a enóloga responsável pelo projeto e que tem dedicado parte do seu tempo à promissora mas ainda pouco explorada região vitivinícola do Algarve, que desde então tem crescido calma e paulatinamente em quantidade e qualidade.
No município de Lagoa, a 15 minutos do mar – sorte a dos vinhos que recebem toda essa influência atlântica –, o Morgado do Quintão tem cerca de sete hectares de vinha plantada, e tem-se comprometido a reavivar castas como a Negra-Mole ou Crato-Branco, exclusivas daquela região, e a fazer vinhos de baixa intervenção, recorrendo ao lema “menos homem, mais terra”. Os clarete e os palhete são reis entre as referências produzidas pela empresa, porque Filipe acredita que são estes os que melhor refletem o perfil dos vinhos algarvios. E há ainda espaço para referências provenientes de vinhas velhas, que contam tão bem a história de uma família cuja primeira vinha foi plantada no início do século XIX.
Numa altura em que se multiplicam os projetos vitivinícolas em Portugal, agarrar em empresas que já carregam o peso da História pode parecer, a alguns, mais arriscado do que criar uma marca de raiz, que tem a liberdade de escolher tudo o que quer ser. Mas a verdade é que tem sido, precisamente, nestes projetos que têm tanta memória que muitos vinhos nacionais se têm destacado. Não é novidade, para quem acompanha a EXAME, que acredito que muitas referências nacionais estão subvalorizadas, não apenas em valor concreto como também na perceção de qualidade por parte dos consumidores nacionais e estrangeiros. E, ao contrário do que muitos agora defendem também, não me parece que seja a acrescentar zeros aos preços de todas as garrafas que conseguiremos colocar alguns dos vinhos de Portugal no nível que merecem – por mais que se pague por uma garrafa de vinho, se o que lá está dentro não vale o dinheiro, a criação de valor é uma utopia que rapidamente se vira contra nós, porque o consumidor só regressa se a experiência for boa. E isto não é propriamente Física Quântica, é apenas bom senso.
Tanto no caso dos vinhos de João M. Barbosa como nos de Filipe Vasconcellos, a sensação com que fico por norma é a mesma: se me pedissem mais dinheiro por algumas das referências, acharia perfeitamente razoável e até desejável. São empresas com produções relativamente pequenas, com uma gestão totalmente familiar e que conseguiram, ao longo dos anos, aproveitar o conhecimento que transportam para fazer sempre melhor. E não é coisa pouca, porque é exatamente aquilo que nos faz voltar a comprar uma garrafa. E
Morgado do Quintão Clarete 2020
>Região
Algarve
>Onde encontrá-lo?
No site do produtor por €16,78
>O vinho
Muitos frutos secos e mel no nariz, com baunilha a espreitar e aromas residuais de frutos vermelhos, revelando, na cor, já algum envelhecimento. Muito quente nos aromas, é um vinho fresquíssimo na boca, a fazer jus à casta que usa em exclusivo, a Negra-Mole. Taninos ainda presentes, é um bom vinho para abrir daqui a dois anos, também. Se escolher bebê-lo já, experimente-o com carnes brancas, queijos ou até um peixe branco.
>Notação: A+
Galerna Bubbles
>Região
Lisboa
>Onde encontrá-lo?
Na Garrafeira de Santos, na Blacksheep ou junto do produtor por cerca de €16
>O vinho
A fruta macerada sente-se imediatamente no nariz, assim que retiramos a carica e deixamos os aromas libertarem-se no copo. É um vinho que, com apenas 12% de álcool, é surpreendentemente estruturado e ótima companhia para pratos de massa ou queijos curados. Crocante, com boa acidez e, acima de tudo, um vinho muito divertido para ter à mesa.
>Notação: A+